Espiral
Sobre a dor de estar vivo.
sexta-feira, 15 de março de 2024
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024
Não afastar de tudo, não escutar nada, não querer também dizer
O mundo se contorce em variados círculos e eu em espirais, às vezes nos sincronizamos, no momento não
Meus pensamentos parecerem um rebobinar acelerado de fita, ou o febril consumo de conteúdo sem nenhuma fixação
tantas partes do meu corpo andam trêmulas, olhos, mãos, boca. colapso ou colisão
Meus sentimentos são menos claros, ou ilusões naturais como águas de rio refletindo coisas demais
hipnóticos, atraentes, brincando fugazes, algo entre sonho e a percepção da realidade
Se não aceitava que fôssemos, por que a rebeldia em eu ser qualquer outra coisa? A recusa, a pirraça, o não aceite
não cabia isso, só assim caberíamos, algo diferente, de certo encaixe, de certo apreço, incertos abraços
A falta de espaço do falar só levou à distância, te reconheço mais a mim, preciso me olhar mais, reconhecer não este corpo mas estes olhos no espelho
a distância como inevitável, conduzida pela maré, inexorável, não é?
Não espero que entenda, nem aguardo nada, há tanta coisa em movimento no presente que lembrar ou sonhar se sufocam em si
se não me encontrei do início da vida até aqui, não é de repente que virá uma realização
mas que doem os desencontros, sim, pesam muito mais
As coisas que me doem continuarão a doer, ainda vou me assombrar, espero que enfrente as sombras diferente de como nunca resolvi as minhas
porque depois de tanto tempo o apego é maior que o incômodo
e a dor é um pequeno detalhe, lembrete da vida e que não arde tanto
e minha força vem meio torpe e meio torta, se já andei tão pesado e com tanto peso, o que é mais qualquer coisa para carregar?
o passo é uma certa forma de certeza, uma mentira contada pelas pernas, uma tenacidade representada no corpo que não condiz com nada
me disseram em repetição que somos sujeitos da própria história
as ondas me deixaram na areia, a partir dali nunca parei de andar
segunda-feira, 4 de dezembro de 2023
Quem vai, vai com a saudade
Quem fica, fica com a saudade
Aprendi em Russo uma vez
que a forma de dizer que você não está aqui
é que esse quarto tem a sua falta
e eu achei a coisa mais linda, e até duvidei se eu entendi direto, se era isso mesmo
mas essa tradução, da forma como foi dita, ficou comigo pra sempre
esse quarto tem a sua ausência e com isso, eu sinto a sua falta
sábado, 18 de novembro de 2023
Por mim, preciso urgente organizar meu coração
São anos demais, vivências, amores e dores demais para ficarem soltas por aqui
Espalhadas loucamente por meu ser, expostas todas em mim
Não preciso que me afundem se sou meu próprio vórtice, se já me arrasto pra tudo que me consome
Mordo quase pra não ser mordido
Estilhaços de cada detalhe dispostos em meu chão
se me corto, se me perfuram os pés, se me dilaceram sendo menos de mim, talvez não me importe
a morte já se foi e sobrou o silêncio, por vez pior
ainda me questiono viverem tanto sem se explodirem em tudo
talvez alguma embriaguez vestida em motivação cegando qualquer outra coisa
talvez suas existências não doam tanto, ou nem causem dor
sigo de sangue, sigo sentindo demais, sinto me perdendo nessa tarde com o sol acariciando as montanhas ou nas madrugadas em que olho a luz difusa pelo vidro fosco
consigo me perder demais nessa reflexão incongruente do meu rosto no vidro, o calor lentamente se esvaindo de mim, levitando para fora, tentador que eu não faça nada, que imóvel veja tudo esmaecendo tão vagaroso a quase parecer estático
azar esperar que não me mova, se sou meu próprio incômodo, há algo em mim incansável, inquieto demais, que beira o incontrolável, assim me revolvo quase uma arma perigosa somente a si, me revolto realizado pelo simples desespero que a única ação plausível seja travar os dentes e dar outro passo, nexo ou não, insensato
parte da tinta da parede parece úmida, apesar da pintura antiga, como chorasse por mim
talvez mais comovida que eu, decerto mais sensata
inumano ou humano demais, feito por extremos, sem descanso no equilíbrio, sem equilíbrio pro descanso, ausente qualquer pausa, nunca recuperado o fôlego, descaso em proporções harmônicas sustentam de alguma forma
ressoa em mim ensurdecendo tudo, como um arrastar por ondas
e poucas coisas sei mais ruidosas
corro de encontro ao encontro delas
um soco a quebrar algo em meu rosto, meu coração no limite a estremecer todo meu corpo, a fúria do meu tambor
sexta-feira, 9 de junho de 2023
Minha boca não se movera pra dizer o que acabara de pensar
pensara não, sentira - como um raio, me perpassara uma certeza absoluta, estava de certa forma momentaneamente ofuscado pelo relâmpago, alguns dias depois viria o trovão
minha boca não se movera, enfim, talvez sorri, não sei se demonstrei tristeza ou disfarcei o que sabia viraria melancolia, talvez contive pois naquele momento de sol, café, bolo e conversas da vida, sorrisos e reflexões, não cabia conversas de morte, talvez de outras coisas e pessoas, mas dizer no momento que o sabor tênue de amargo era de seu próprio fim não parecia caber
gastei a energia que gastaria pra proferir essas palavras vãs - e vale ressaltar, sabia-se já por ambos que ali eram os instantes finais antes das vidas nos reaver em rotinas - em absorver aquele entardecer, a paleta pálida de cores com um fundo quente bem amarelo como iluminado por lâmpadas incandescentes, tinha já jeito de lembrança, de alguma forma esmaecida e antiga mesmo em momento presente
sabia como sabemos de coisas profundas demais para se revelarem à luz, sensíveis demais ao sol, coisas talvez melhor sussurradas, ou ditas bem perto do ouvido para não caírem na infinidade de caminhos entre uma boca e uma orelha, ou ainda que podem ser ditas em tom forte ao respirar profundo e retesar todo seu ser - talvez seja a própria respiração que alça todos esses sentimentos para que sejam ditos em um único fôlego, de único ímpeto, no único momento e lugar do mundo em que se possa dizê-lo - coisas que sentimos em nosso ventre, em nossas entranhas, e jamais, jamais dizemos
e quando dizemos, para serem ouvidas e jamais esquecidas
terça-feira, 2 de maio de 2023
O vidro estala e escorre pela pia, linhas finas de sangue e sabão gotejam sobre o metal, uma sensação de que isso deveria ocorrer de alguma forma, das duas taças, vou dizer que essa não era a minha, pra que a outra finalmente seja. Inspiro pesado como sempre inspirei em minha vida, eu acho incrível como essas coisas tem um jeito de se fazerem absurdamente cada vez mais densas, como uma névoa impossível de perscrutar por quão lisa em toda sua extensão e, ainda assim, tão óbvio quando se torna mais espessa, tão inequivocamente claro que alguma coisa mudou, algo indefinido, algo sem nome, como ocorre aqui dentro.
O mundo de alguma forma chama, vozes distantes, algum cachorro na rua, só barulhos sem cheiros ou imagens que não me alcançam, algum facho de luz solar contrário aos que foram tímidos demais e se perderam no caminho, contrário aos refletidos em qualquer outra coisa, esse se esgueirou de uma forma ou outra até atingir um de meus olhos, tenho certeza estaria belo entre âmbar e terra, um castanho firme independente da luminosidade. Isso também não me foi capaz alçar.
Dessa vez, e cada é única, e também perpassa os mesmos lugares, desço escadas em espiral, feitas em pedra, esculpidas na própria rocha - não transportadas de outro lugar, sem muitos adornos, estáveis como nada que já senti. Não é um redemoinho, não é uma tempestade, não estou caindo ou afundando, são passos sólidos - em cada um deles está todo meu ser, calculados houvesse alguma lógica, ressentidos houvesse alguma dúvida, cada passo é meu e meu somente.
Ainda tenho medo de me perder nessas ruínas, em corredores que perderam seu objetivo, em salas escuras demais e polidas demais a tornar quase impossível sair por tato ou visão. Minhas mãos marcadas pelas pedras, meus pés pelos cacos, conheço cada vão e cada fio melhor que a mim. Arcabouço transformado em reclusão. Como é lamuriante essa fundação, tristes as coisas perdidas suas razões de ser, melancólico todo ar que aqui perpassa, como me sinto em casa...
Nunca vou dizer que queria não ser assim para não ter a sorte de não ser. Mas vejo e percebo, todas essas pequenas ironias trágicas, os nomes não ditos, as palavras presas em outra coisa que não língua, lábios ou dentes. A oscilação nos olhos, a distância das palavras proferidas a um palmo de meu rosto. Não estou aqui para dar nomes, não sou nomeador; não aqui, não agora. Nem para lembrar com perfeição os tons harmônicos e mesclados de íris, cabelos e pele; apesar de lembrar perfeitamente. Sinto e escrevo. Do ventre à terra.
sexta-feira, 17 de março de 2023
Em pedaços, vim de outro lugar, não adianta perseguir sentido onde entreguei-me a loucura, ou tentar acompanhar saltitante onde minha sanidade férrea e gélida, psicopática e objetiva domina, não sei nem meus objetivos, sei que valem mais que tudo pra alguém. A vilania que me sobe como vômito e despejo em sobrevivência covarde. É fácil não fazer sentido quando toda sua mente é fragmentada.
As dilacerações presas num plano passado, sujo em sangue ressecado, sacrifícios do meu corpo para a minha mente, a caixa de fósforos em mãos, o que o fogo não cicatrizar queimará. Nada é mais limpo desde o nascer, antes o perecer à morte violenta, há quem diga.
Quantas vezes tenho que me quebrar para ser outra pessoa e não ser outra pessoa e ser a mesma carne de diferente essência. Beber em fonte nenhuma, fazer a minha de sangue. Gastar-me em mim a mim.
...
Gentil a todos, vil a mim