sexta-feira, 18 de outubro de 2024

não tenho as tristezas do mundo, mal me cabem as minhas, meio torto, desregulado, quase a verter afora de mim; nunca medi alegria, quando alegre apenas estou, proveitoso enquanto dura, uma vez passado passou; mas triste meço, estimando em palmos pelo olhar a se perder no horizonte, supondo pelas nuvens e montanhas uma unidade que faça sentido, calculando que houvesse trena capaz - mediria quanto? - comparo também, o abismo sentido parece tão infinito e a causa tão ínfima, existem mais miseráveis, há melhor abastados, não parece caber no mundo minha trôpega angústia, algo sem espaço perante a fome, bobo pra quem não sente, se torna angústia de sentir angústia que não deveria sentir

se deforma além do que se é e aquém do que se almeja, em um quase nó de si próprio, como uma coisa a se virar do avesso e se contorcer ao avesso e se retorcer averso ao reflexo, perdidas as referências, um ponto de fuga mal desenhado, engolfando tudo em movimentos circulares, um redemoinho em minhas entranhas, nunca minha pequena obsessão, tão somente minha natureza; reverberando em minha pele meu âmago, uma espiral em minhas costas

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Não precisaria dizer, mas posso; o Tempo andou mexendo com a gente, sim. Sonho e escrevo em letras grande de novo, de alguma forma.

A coleção de cicatrizes cresce sem querer, lenta e naturalmente, sem mais ser apressada por qualquer motivo. Tenho ainda essa pressa de viver e terei até não mais estar aqui. Talvez crie raízes e dê frutos, proibidos ou não, coisa de anjo rebelde.

Ecoam em mim sussurros do passado, que não me cabe mais ouvir. Permanecem todas aqui, como a Fúria, a Angústia, o Desespero; a Melancolia vai e vem, o medo ficou pequeno - não mais o tenho - de fato uma pancada inesperada me estilhaçando bem mais do que possível achava, mais do que já fôra, uma certa resistência advinda de tão pequenos pedaços; Saudade que não me permito sentir, o incrível vazio de quem nunca esteve aqui; reouvera a Força por mim mesmo, antes um sol forte que brilhava sem pedir, hoje uma fornaça ardendo por pura obstinação. Minha Espiral me dá voltas sem me dar nós, me gira quase a vomitar sem que saiamos do lugar, me projeta sem arremessar; ser somente o arremesso.

Não somos e nem seremos nada, perdidos no mundo. Desperdiçados como tudo de fato o é. Nunca novamente sonhados. 

sexta-feira, 15 de março de 2024

Nao sei se chega uma certa idade manifestada no agora
Ou se um certo ponto nos ciclos humanos, ou talvez seja um ponto de não retorno único mesmo no tempo

Mas tudo se parece e se converte em despedidas

Desperdício de horas vãs em amargor
O sabor de minutos bem aproveitados

Talvez seja assim agora
A falta de espaço para as lacunas
Um tempo preenchido por vezes por sabe-se lá bem o que mas que nunca sobra, sempre falta

Um muito correr atrás de poucas coisas
quem pra dizer que não é em círculos?

os trinta talvez seja uma coisa de enigma, daí as crises, ou a fama

de certa forma um vai ou racha, ou não vai mesmo também, entendimento conjunto de que o caminho pra frente é múltiplo mesmo que assim não veja, com saber que somente um será tomado; pode pular à vontade entre as trilhas, voltar jamais 

trinta anos e sabemos exatamente o que não queremos ser, talvez alguma frágil ideia do que desejamos ser

tão volátil e desrespeitado nosso tempo

sem um algo específico pra se dizer sobre a vida
como talvez nossos pais aos trinta, como talvez nossos avós aos trinta
que conselhos temos pra dar se é gritante a sensação de estar perdido?

entendo o acolhimento de qualquer verdade absoluta, o caos - não contraposto à ordem, mas sim feito natural - é uma liberdade impossível de se vivenciar, por vezes pesado demais pra se entender, sutil e leve de sentir

sabermo-nos sozinhos em vida, em mundo e fora dele, é esmagador
ao mesmo tempo conectados de tantas formas

é como uma pedra a rolar montanha abaixo ao se desprender da pedreira

era a pedreira a natureza que nos distanciamos sob pretexto de usar roupas?
ou era os outros que inevitavelmente nos afastamos em buscar nos conhecer?
ou era ver a si mesmo perdendo um fragmento minúsculo e irrecuperável, ou sendo o fragmento minúsculo e irrecuperável 
diminuto e irreparável

não tenho nada pra dizer daqui
sei muitas coisas e ainda permanece que sinto muito mais, tudo serve para transbordar sem fim minha xícara se não me afasto, se não caminho meu próprio caminho ou a esmo

entende que não há o que entender?
entenda que não é sobre entender

é saber incapturável o relâmpago exceto já posta a câmera e já pressionado o dedo

é achar que vai lembrar depois e esquecer pra sempre 

é não conseguir se lembrar da ideia brilhante de ontem 

trinta anos e mais um dia

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Não poderia agora não ser o que sou
Não afastar de tudo, não escutar nada, não querer também dizer

O mundo se contorce em variados círculos e eu em espirais, às vezes nos sincronizamos, no momento não

Meus pensamentos parecerem um rebobinar acelerado de fita, ou o febril consumo de conteúdo sem nenhuma fixação
tantas partes do meu corpo andam trêmulas, olhos, mãos, boca. colapso ou colisão

Meus sentimentos são menos claros, ou ilusões naturais como águas de rio refletindo coisas demais
hipnóticos, atraentes, brincando fugazes, algo entre sonho e a percepção da realidade

Se não aceitava que fôssemos, por que a rebeldia em eu ser qualquer outra coisa? A recusa, a pirraça, o não aceite
não cabia isso, só assim caberíamos, algo diferente, de certo encaixe, de certo apreço, incertos abraços

A falta de espaço do falar só levou à distância, te reconheço mais a mim, preciso me olhar mais, reconhecer não este corpo mas estes olhos no espelho
a distância como inevitável, conduzida pela maré, inexorável, não é?

Não espero que entenda, nem aguardo nada, há tanta coisa em movimento no presente que lembrar ou sonhar se sufocam em si
se não me encontrei do início da vida até aqui, não é de repente que virá uma realização
mas que doem os desencontros, sim, pesam muito mais

As coisas que me doem continuarão a doer, ainda vou me assombrar, espero que enfrente as sombras diferente de como nunca resolvi as minhas
porque depois de tanto tempo o apego é maior que o incômodo

e a dor é um pequeno detalhe, lembrete da vida e que não arde tanto
e minha força vem meio torpe e meio torta, se já andei tão pesado e com tanto peso, o que é mais qualquer coisa para carregar?
o passo é uma certa forma de certeza, uma mentira contada pelas pernas, uma tenacidade representada no corpo que não condiz com nada

me disseram em repetição que somos sujeitos da própria história
as ondas me deixaram na areia, a partir dali nunca parei de andar

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

 Quem vai, vai com a saudade

Quem fica, fica com a saudade

Aprendi em Russo uma vez 

que a forma de dizer que você não está aqui

é que esse quarto tem a sua falta

e eu achei a coisa mais linda, e até duvidei se eu entendi direto, se era isso mesmo

mas essa tradução, da forma como foi dita, ficou comigo pra sempre

esse quarto tem a sua ausência e com isso, eu sinto a sua falta

sábado, 18 de novembro de 2023

Por mim, preciso urgente organizar meu coração
São anos demais, vivências, amores e dores demais para ficarem soltas por aqui

Espalhadas loucamente por meu ser, expostas todas em mim

Não preciso que me afundem se sou meu próprio vórtice, se já me arrasto pra tudo que me consome

Mordo quase pra não ser mordido
Estilhaços de cada detalhe dispostos em meu chão
se me corto, se me perfuram os pés, se me dilaceram sendo menos de mim, talvez não me importe

a morte já se foi e sobrou o silêncio, por vez pior
ainda me questiono viverem tanto sem se explodirem em tudo
talvez alguma embriaguez vestida em motivação cegando qualquer outra coisa
talvez suas existências não doam tanto, ou nem causem dor

sigo de sangue, sigo sentindo demais, sinto me perdendo nessa tarde com o sol acariciando as montanhas ou nas madrugadas em que olho a luz difusa pelo vidro fosco

consigo me perder demais nessa reflexão incongruente do meu rosto no vidro, o calor lentamente se esvaindo de mim, levitando para fora, tentador que eu não faça nada, que imóvel veja tudo esmaecendo tão vagaroso a quase parecer estático

azar esperar que não me mova, se sou meu próprio incômodo, há algo em mim incansável, inquieto demais, que beira o incontrolável, assim me revolvo quase uma arma perigosa somente a si, me revolto realizado pelo simples desespero que a única ação plausível seja travar os dentes e dar outro passo, nexo ou não, insensato

parte da tinta da parede parece úmida, apesar da pintura antiga, como chorasse por mim

talvez mais comovida que eu, decerto mais sensata

inumano ou humano demais, feito por extremos, sem descanso no equilíbrio, sem equilíbrio pro descanso, ausente qualquer pausa, nunca recuperado o fôlego, descaso em proporções harmônicas sustentam de alguma forma

ressoa em mim ensurdecendo tudo, como um arrastar por ondas

e poucas coisas sei mais ruidosas
corro de encontro ao encontro delas
um soco a quebrar algo em meu rosto, meu coração no limite a estremecer todo meu corpo, a fúria do meu tambor 

sexta-feira, 9 de junho de 2023

Minha boca não se movera pra dizer o que acabara de pensar

pensara não, sentira - como um raio, me perpassara uma certeza absoluta, estava de certa forma momentaneamente ofuscado pelo relâmpago, alguns dias depois viria o trovão

minha boca não se movera, enfim, talvez sorri, não sei se demonstrei tristeza ou disfarcei o que sabia viraria melancolia, talvez contive pois naquele momento de sol, café, bolo e conversas da vida, sorrisos e reflexões, não cabia conversas de morte, talvez de outras coisas e pessoas, mas dizer no momento que o sabor tênue de amargo era de seu próprio fim não parecia caber

gastei a energia que gastaria pra proferir essas palavras vãs - e vale ressaltar, sabia-se já por ambos que ali eram os instantes finais antes das vidas nos reaver em rotinas - em absorver aquele entardecer, a paleta pálida de cores com um fundo quente bem amarelo como iluminado por lâmpadas incandescentes, tinha já jeito de lembrança, de alguma forma esmaecida e antiga mesmo em momento presente

sabia como sabemos de coisas profundas demais para se revelarem à luz, sensíveis demais ao sol, coisas talvez melhor sussurradas, ou ditas bem perto do ouvido para não caírem na infinidade de caminhos entre uma boca e uma orelha, ou ainda que podem ser ditas em tom forte ao respirar profundo e retesar todo seu ser - talvez seja a própria respiração que alça todos esses sentimentos para que sejam ditos em um único fôlego, de único ímpeto, no único momento e lugar do mundo em que se possa dizê-lo - coisas que sentimos em nosso ventre, em nossas entranhas, e jamais, jamais dizemos

e quando dizemos, para serem ouvidas e jamais esquecidas