terça-feira, 18 de setembro de 2012

Àquela hora, já achava que a noite estava perdida, mas me lembrei que tinha um maço no fundo da gaveta e um isqueiro jogado pelo quarto.

Ela tinha um olhar quase de nojo, provavelmente querendo me perguntar "Como você consegue fumar isso?", mas eu me antecipei e a questionei:
_Como você consegue não fumar isso? Digo, como consegue não se acelerar ao encontro da morte? Como não afundar o pé no acelerador pelo simples prazer do perigo ou pela constante vontade de se acabar?
Ela balançou a cabeça negativamente e me abraçou. Ficou um tempo ali abraçada a mim. Então ajustou a postura, foi até meu quarto, voltou com suas coisas em mãos, sorriu com um semblante triste, e saiu pela porta.

Na verdade, ela nunca esteve aqui. Faz muito tempo que não a vejo; tempo suficiente pra não saber quanto tempo faz. Giro a chave na porta, vejo minha respiração, a noite é sempre gélida por aqui, abro o portão e me sento no meio-fio. Um suspiro longo. Cansaço. Nada mudou nesse tempo todo. Não consegui o que queria. As pessoas não mudaram. O mundo não aprendeu sua lição.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Minha casa fedia a cigarro. Sempre tomei cuidado pra isso não acontecer. Mas tinha essa puta morando comigo. Não me lembro direito se a comi, nem onde a achei. Naquela casa impregnada de nicotina ela era a única coisa que cheirava bem. Ela cheirava a flores. Provavelmente presente de um velho tarado. Eu fumava na varanda. Pensando que ela logo chegaria pra almoçar e sumiria no início da noite pra aparecer no outro almoço. Ela tinha os finais de semana ocupados. No resto da semana ela só ficava largada em casa soltando mais fumaça que uma fábrica. Ela ficava sentada com uma perna por cima do braço da poltrona, meio esparramada, só de calcinha fumando, ela tinha umas tetas firmes, lindas. Ela era gostosa. Às vezes eu só sentava na poltrona oposta e ficava olhando pra ela.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Olhava para o resultado de sua vingança com a mesma indiferença com que limpava a bunda todos os dias. Aquela cena bizarra, ou seria um cenário?, as pessoas olhando descrentes, com a boca aberta à força, talvez pela surpresa, pelo medo ou pelo horror irônico daquele quadro. Um homem agachado na escadaria com as costas inclinadas, apoiadas nos degraus superiores, estava a dois degraus do pátio que terminava na igreja. Parecia alguém que se ajoelhara gritando furioso contra os céus. Exceto por sua cabeça. Era o contraste, o toque final. A cabeça não fora simplesmente torcida por completo, ela foi arrancada com precisão cirúrgica e a costura feita com ela ao contrário era apenas uma tênue linha, invisível àquela distância e em meio aquilo tudo. Ninguém ousava se aproximar. Bem, agora a área estava isolada e repleta de policiais estranhos, não esses comuns que vemos todos os dias. Mas ninguém ousou se aproximar antes. Com exceção daquela infeliz viúva. Sempre de luto e cabisbaixa, com a sua mania de chegar cedo para a missa matinal. Tenho certeza que a cara dela foi impagável. Ele fumava um cigarro. Impassível. Não fumava muito. Fumava quando pensava muito. Pensava no que faria em seguida. Ele não sentira nada ao olhar aquele corpo que pertencera ao homem que odiara tanto. Não se sentia satisfeito. Tinha que se vingar mais. O sino indicando meio-dia já batia. Tinha que voltar pra casa, tirar o terno, beijar a esposa e almoçar em paz. Tragou, expirou, jogou no chão e pisou em cima, gostava de fazer isso; se sentia estiloso. Um ritual engraçado.
A gente fica ali largado... A gente só tá morrendo.
E a gente fica ali sentado, sem nenhum interesse especial.
Tendo a animação ceifada aos poucos por um sádico.
Já estamos todos velhos, daqui só temos o que morrer.

E morremos mesmo. Aos poucos e um por um.
Éramos dois agora. Dividindo bebidas e charutos.
Esperando ali naquela sala. Esparramados em poltronas.
Aquelas grandes, bonitas e vermelhas.

A fogueira crepitava. Talvez querendo atenção.
Mas a gente nem conversava. Só enchíamos os copos.
Cada um na sua cabeça vazia, soltando fumaça e olhando o nada.
Trocando de posição vez ou outra. Tentando adivinhar quem seria o próximo.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Sempre fui obcecado por livros com obsessão. Digo, com personagens obcecados com algo. Loucos. Sedentos. As obsessões variavam. Os livros variavam. Mas tinha esse em especial que me conquistou nos meus anos jovens e impressionáveis. Lembro de ter comentado várias vezes dele com poucas pessoas. Ganhei de presente. Faz tempo. Da minha última namorada. E ele ficou intocado desde que terminamos. Não conseguia passar da dedicatória. Decidi ler. Com uma avidez que dignificasse a avidez da primeira leitura. Não me lembrava direito da história, menos ainda de seu final. Peguei uma chave que usaria para marcar a página em que parasse. É a chave de onde guardo as coisas que ganhei dessa namorada. A última. Guardo tudo lá; menos uma caneca. Talvez eu a coloque lá também. Na verdade, o que me motivou a ler foi isso. Era algo que ganhei dela. Pertencia àquela gaveta. Deveria ler o mais rápido possível e devolvê-lo a seu lugar.
Assim que o manto doce do sono cobriu a maioria dos mortais da região, o silêncio começava a se espalhar. Início de madrugada. Até eu estava um tanto calmo. Isso era raro. Resolvi aproveitar o momento para iniciar a leitura. Mal sabia que devoraria o livro com voracidade invejável, que o faria sem perceber, que a chave serviria apenas para algumas pausas ocasionais. Talvez eu revirasse um pouco as coisas da gaveta depois. Sei lá o motivo. Já estava escrevendo com um tanto de vinho na cabeça. Acho que é um vinho barato; mas eu gosto do nome. Beber escrevendo me lembrava mais ainda do livro. Não, eu não me vejo no cara que bebia enquanto escrevia. No livro. Nem sinto inveja dele. Não mais do que se tem de um condenado no corredor da morte. Sentia um pouco de afinidade com eles, na verdade. Do modo como tocavam a vida. Eu poderia ser qualquer um dos dez; mas não era nenhum. Poderia me deixar envenenar, como fizeram; ainda posso; mas não é a minha vez de escolher. Marquei a página com a chave. Desci e deixei o livro no sofá. Comi um pão pequeno e acabei com um resto de suco. Era só pra enganar. Só pra conseguir ler. E continuaria lendo ali na sala mesmo. Tirei a chave antes de abrir o livro. Idiotice minha, tive tempo de pensar. Mas gravei bem como era a página. Abri e folheei até achar. De como sabiam de quem era a vez de morrer, de como não faziam nada, não queriam. Um a um vão sendo eliminados, se achando castigados. Mas não passavam de moscas, descobririam quando sobrassem não mais que três. Um por mês. Mais eu ainda os estava conhecendo, ainda tinha muito por vir, ainda era tudo uma suspeita, uma infeliz coincidência, só coisa da cabeça e ainda tinha uma pausa com um outro pão pequeno e dois copos de coca com um arroto forçado.
Estava pensando como tenho uma vida ruim da melhor maneira possível. Eu tenho uma mente fodida. Fodidamente brilhante, poderia ser. Mas não tenho paciência pra isso, não tenho saco. Nem vejo motivo pra querer que fosse assim. Também acho que ela já está estragada demais pra ser tão brilhante assim. Não fico ouvindo vozes na minha cabeça. Nem sempre, ao menos. Sou louco. E eu sei que não adianta pedir pra que não me entenda mal, porque já entendeu errado. Não adianta, não tem mesmo como você saber. A verdade é que sou preguiçoso e ainda não terminei de cavar a cova. A minha. Depois da segunda pausa é tudo sobre morrer com o que gosta; com o prazer da degustação final; com o prazer de saber. O final é um pouco de sentido, um pouco de redenção e um pouco de provocação a imaginação. Mas não preciso que minha imaginação seja provocada, não mesmo. Precisava de um pouco de álcool. Só um pouco mesmo. Doente como estava, um pouco já bastava. Confiro as horas no celular '05:04'. 'Meu caralho que vou esperar um minuto pra ver as horas com os minutos iguais', penso. Coisas que grudam na cabeça, sabe? Levanto e vou pra cozinha, encher um copo, beber, subir, beber, escrever. O álcool nem faz nada. Já estou mesmo sem noção. Ele é só desculpa.
Eu precisava de um cigarro, porra. É sempre o que preciso. A sensação que um deixou em mim há muito me persegue. Preciso de outro. Já estava ficando barbudo de novo. Precisava de uma mulher que mandasse. Colocar um pouco de ordem, satisfazê-la, enlouquecê-la, esses tipos de coisa. É bom pra passar o tempo e me manter ocupado. Longe da minha mente. Conheço alguns poucos no mesmo estado que eu. Nessa decadência que disfarçamos. Nesse invisível e patético declínio. Nunca mencionamos; nunca conversamos sobre nada disso. Não tenho certeza se há um acordo jamais proferido ou escrito que determina isso; ou se apenas, assim como eu, não tem mesmo o que falar. Porque por mais que pense, que procure em tudo, que reflita, continua aparecendo sempre uma única saída. Ridícula. Descarto. Pra não dar nem a chance de pensar sobre. Pff... Como se fizesse real diferença.
Preciso de mais vícios.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Par de reis, a mão coça para apostar, com o rei virado na mesa já tem uma trinca, finge desinteresse, espera que aumentem, aumenta no blefe dos outros, mais duas cartas, all in. Alguém pagou. O cara tinha um flush. Três cartas de naipe igual na mesa. Ele não tinha reparado. 'Fudeu'
É, meu bem, você também
serão todas assim?
Querendo tomar o controle de mim?

Saia, se afaste. Dono não tenho. Dona terei jamais. Jamais outra que não aquela de suave dedilhar, de risada leve e de lindos olhos para mim. Fatos são feios, de fato. 
E vocês, sempre se achando na audácia de me trazer paz. Poupem-me! Tiram a que mal tenho; A pequena migalha que mantém acesa essa débil chama de sanidade. 
Por vezes, perguntam demais. Calem-se! Apreciem a droga do que faço por vocês sem encherem-me o saco. 
Esses problemas me cansam. Vocês querendo tomar o controle só porque não estão mais cabisbaixas. 

Pior! Ainda pior! Quem tenta me arrastar para a luminosidade da definição. Ai de mim. Sai. Deixa-me aqui. Sou louco desde antes, não é seu argumento que isso mudará. Veja bem, nunca olhou fundo em meus olhos; nunca viu o brilho dançante; meu fascínio pelo fogo; meu amor pelo caos; nunca soube dos motivos da insônia; nem a razão das cicatrizes. 
Nunca foste tão fundo na mente deste louco. Tudo que achas que sabes é muito pouco. 
(Eu vejo beleza nessa insanidade.) 
Por que não lhe conto então? A história e tudo mais? Todos esses pequenos detalhes que chama de segredos? Simples. Porque você não quer. Você implora para que eu minta. Você implora para ser jogada na teia de marionetes, que eu brinque contigo. Você não aguenta.

Mas não se preocupe.
Eu estou bem. Como sempre estive. 
Uma pequena discussão, nada demais. Um clima nem tão tenso... Mas cria-se uma competição ali. Uma questão de honra(?). Nada mais é dito até a hora de partir. E quem dirá primeiro? E quem sairá sem dizer? Assume-se que quem fizer o primeiro movimento, perde. Na 'arrogância' saindo sem nada dizer ou 'reconhecendo seu erro' e vindo falar. E é aí que o segundo perde. Perde por não ter agido primeiro. E é mesmo bem assim. Não há vencedores nessas coisas.
Quem diria - ela me perguntou - que neste dia desgraçado iria chover?


mas nem choveu!
choveu sim
nem tanto
nem pouco
mas ela se negava a ver isso, esfregava os olhos e olhava cada vez mais discrente
acabou por desistir de provar para si o contrário



terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Por que eu construo castelos de areia? Porque eu gosto, acho bonito. Veja como a base já apresenta uma perfeição que se repete por toda obra. Veja os detalhes, essa textura espetacular. Veja aqui um erro que transformei num detalhe peculiar, todo especial. Eu me dedico mesmo, faço deles o mais perfeito possível. Admire. Lindo, não é? Grave bem, pois não durará. Antes que a maré o alcance, eu o destruirei. Por quê? Porque é bonito. Porque é meu. Porque eu posso. E, além disso, quem se importa?
Eu lhe dava quase tudo.
Mas ela me trocava com a mesma rapidez que limpava a bunda. Quase mais frequente que as trocas de calcinha. Largava-me de lado como se eu fosse esperá-la.
E esperei.



Até pensar "foda-se".
Um tempo depois ela percebeu o quanto eu me esforcei por ela e veio como se ela não tivesse perdido a única chance que teve(na verdade acho que ela só sentia falta da atenção que eu lhe dava). Tadinha.

Levantei-me daquela cadeira, suado e semi-nu, peguei uma cueca nova no armário, fui pro banheiro, joguei aquela rasgada direto no lixo e entrei no banho.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Sabes o que estou fazendo? Não, claro que não sabes. Porque estou te manipulando. E tua mente é tão fraca que mesmo sabendo disso vai continuar a fazer exatamente o que eu quero. Engraçado, não? Ridículo, né? Ser manipulado, manipular, achar que está manipulando.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Uma escova os dentes se olhando no espelho, outra senta no vaso e solta uns peidos fedidos, uma se esparrama no chão com as costas contra a porta, outra fica me olhando, pedindo com os olhos pra entrar embaixo do chuveiro.
Todas nuas, todas excitadas,
enquanto tomo meu banho.
Deus fez as coisas, mastigou, engoliu, vomitou, comeu de novo e cagou o mundo.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Copos e copos de água. As bebidas se acabaram, o dinheiro está espalhado, a cabeça anda esquecida
e eu, algo perto de acabado.     Mas o meu perto
ainda é longe
ainda tenho o que fazer
ainda tenho quem matar
um momento ou outro de sanidade

preciso
de coisas fortes pra me manter vivo
E eu penso nas mulheres que fizeram parte da minha vida...
É engraçado...
A primeira, nunca mais trocamos nada além de um 'oi' quando socialmente obrigatório.
depois larguei uma
uma me largou
outra me persegue
uma nunca me respondeu
eu cheguei tarde pra outra
uma me usou
eu usei uma
e estou atrás de outra
talvez tenha mais uma e outra
mas me esqueço de lembrar
o engraçado é aprender a sobreviver.
então tenho essas inspirações de bancar o escritor e escrever coisas sobre coisas rotineiras e corriqueiras
mas esqueço.
Somos todos animais criados de diferentes formas.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Procuro-me no espelho, só vejo olhos desesperados
à beira
da loucura.
Vou para o quarto, abro a janela, sento da janela, me jogo pelo quarto, deito na cama, o tempo passa, levanto-me tonto, antes de perceber estou na escada; quando vejo, já desci.

Estou na varanda, sentado com uma vasilha de uva na mesa ao lado. Levanto-me, pego uma, ando pra lá e pra cá enquanto a tiro da casca direto na boca e cuspo as sementes no gramado. O mesmo com as três seguintes. A quinta engulo inteira. Faço isso a cada cinco, acabo por ir contando desse jeito quantas vou comendo. Paro e encaro a décima oitava. Pego a vasilha e desço para o gramado. Começo a arremessar, com toda força contra a parede, cada uva que pego. Elas estouram e se espalham. Sujam a grama. Deixo de estourá-las quando tem umas poucas sobrando. A décima oitava desce com casca mesmo. Largo as restantes pra lá. Sabia que iria engoli-las depois. Sabia que estariam podres antes.
Doença demais pra pouco tempo.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Mais uma hora. Mais uma hora e acaba.
Demorou. Como todas as horas que tenho que esperar.
Passei essa hora ouvindo a música em minha cabeça.
Gritos e explosões por todo o lado.
'Graças a Deus, acabou...'
As pessoas se levantam e se abraçam e as que estão em pé continuam em pé e se abraçam e as que não podem se levantar se abraçam. Tento me esgueirar até a saída, não sem antes ter que abraçar algumas pessoas. Ela percebe que estou indo. Ela vem atrás, me para antes que eu saia:
_Não vai mesmo ficar?
_Não.
_Por quê?
Sorrio e a abraço:
_Boa noite.
Saio para aquela chuva fina e gélida.