terça-feira, 22 de outubro de 2013

Lembro-me dele andando pra lá e pra cá sorridente. Doente, diziam. Terminal, completava. Um desses flashes, muitos anos atrás, ouvindo a palavra pela primeira vez, minha mãe quem disse, foi dita em tom tristonho, aquele que aterroriza - "Os médicos disseram que é terminal.", "Terminal o quê?" - não captei o sentido naquela inocência e distração da infância, mas ainda assim senti a gravidade da fala. "Doente terminal significa que..." - nem ouvi o resto, entendi ali, compreendi naquele instante como as coisas eram frágeis e um medo estranho percorreu meu corpo; nada, não havia nada a ser feito. Enfim. Ele me cumprimentou e perguntou sobre minha família, eu disse que até o cachorro tinha se mandado, ele gargalhou e disse que dos piores eu era o melhor, eu disse que era o melhor dos piores mas que era ele quem estava certo, ele gargalhou mais ainda e bateu nas minhas costas dizendo "Você é uma figura, cara.". Fiquei sabendo depois que ele foi atropelado por um ônibus. Coitado. E nem era o que ele sempre pegava, tampouco estava no terminal.
_Fume.
_Não.
_Fume.
_Não.
_Fume.
Dou um chute em minha mente e a mando se foder. Não preciso dela querendo me foder, muito menos dizendo o que fazer. Sobre mim, seja feita minha vontade. Você tem que aprender a sobreviver independente do que sua mente diz e independente dela, em si. O que não é nada fácil, já adianto.

Mas se você não sabe o que isso significa, se minhas palavras não fazem o mínimo sentido pra você, se seus miolos não querem se espalhar pelo chão, fuja. Fuja, corra, se esconda. Poupe-se. Considere-se abençoado. E torça pra jamais, repito, jamais vir a saber... ou esbarrar comigo na rua.

Chegamos em casa, fodemos. Só fodemos, não nos beijamos. Ela me fodeu daquele jeito que só ela sabe, de que só ela é capaz. E eu a fodi com tudo que eu tinha. Fodemos até amanhecer, como em outras tantas vezes. Eu e minha mente. Um fodendo o outro. Parece um jogo sádico às vezes. Uma disputa particular e pessoal. "Ei, vamos ver quem se fode mais?" - mas antes de teu corpo falhar, tua mente já te matou.

Não se engane, criança. Não há fúria na natureza. Há fúria nas tempestades. Há fúria nos animais. Raiva é uma coisa do coração. Ira é uma coisa da mente. Fúria é uma coisa da alma. Assim fica vago, não é? Vejamos se sei explicar... Raiva é induzida, criada, alimentada, cuidada, contida - talvez. Raiva você guarda ou se livra, gasta ou nem tem; já tive, acho. Ira é um comportamento escolhido, um modo de agir, você escolhe ser ou é naturalmente irado, algo próximo a (ser) cruel - não sei se as palavras são fiéis às minhas ideias. E se traduzirem corretamente, quem garante a interpretação? Não há garantias na natureza. A (i)lógica é mais sutil que isso. Então, enfim, pois bem, fúria. A fúria só acaba com o ocaso da alma, o crepúsculo do brilho de teus olhos. Ela devora. Consome, jamais consumida. É a verdadeira chama. Da fúria de tua alma deriva a paixão, e tudo mais disso que me foge o nome agora mas ainda te digo numa outra hora. Hm? O ódio? O ódio é outra coisa.
O telefone tocou.
_Você sumiu...
_Ando ocupado.
_Com o quê?
_Construindo, arquitetando...
_Planos?
_Não, lugares mesmo.
_Sério!?
_É.
_Onde?!
_Na minha mente.
_Ah... Hahaha. Um lugar tranquilo para morar?
_Exato.
_Expulsar os demônios da casa?
_Muito pelo contrário, vou fazer salas pra eles, assim saberei onde estão - ou, ao menos, onde deveriam estar.
_Hm...
_E muitas outras salas também, mas não sei se vai ser um corredor cheio de portas. Ou mais aberto. Ou se será mesmo uniforme. Talvez algo que mude constantemente. Um padrão caótico, combina comigo.O que preciso é que ela seja mais acolhedora e menos inimiga. O que acha?
_Legal.
_É, legal.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

_Cheiro de calor...
_E calor tem cheiro? - perguntou insensível.
_...Sim.
_Haha, você diz cada coisa!
_...
_Você tava falando sério?
_Esquece.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O teto ameça desabar. O problema é que ele só ameça. A noite se arrasta e os sons vão silenciando, exceto na cabeça. Ela lateja e explode algumas vezes. Droga, hoje era um dia para dormir cedo. E antes de resolver me levantar, se passam quase duas horas. A cama me rejeita, o sono me expulsa. Penso em xingá-los, mas me levo pelos pés até a cozinha. Ah! Tinha me esquecido... Álcool. Um gole na garrafa de cachaça e ela quase não volta, essa é das boas. Eu particularmente adoro cachaça, é tão simples e tão eficiente... Esqueçam os whiskies, os vinhos e o que mais for. Melhor custo-malefício é o da cachaça. Venham, venham, aproximem-se, que eu não aguento tomar essa garrafa inteira, admito. Por mais que o espírito queira, o corpo não dá conta. Mas ela parece ter me acordado, não nublado meus sentidos como eu gostaria... Quero dormir. Sair desse mundo. Nem preciso sonhar. Por muitos anos, fechar os olhos era se entregar à escuridão, pura. Não havia nada, nada. Provavelmente vou virar a noite e ficar tendo tiques durante o dia, observando detalhes demais, o caminho das formigas, o detalhe rachado no azulejo, os grãos fora do lugar, os nervos das folhas das árvores... Maldição. Não devo ter bebido o suficiente.
Os cachorros sabem tanto de pássaros quanto os humanos sabem de deuses. E as pessoas não percebem que seus latidos são tão irritantes quanto os caninos.
as pessoas ficam querendo dar importância pro fim das coisas
eu botava fogo em todo mundo
você não faz uma cerimônia quando termina de cagar, você só dá descarga