quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Era menino. E como todos os outros do bairro, juntei meu dinheirinho de capinar lote toda semana. Fui nela tão logo tive o suficiente. Meu coração batia e meu corpo tremia na minha infante inocência. Ela nem piscava com seus olhos delineados de preto. E foi no meu orgasmo com sua boca em um sorriso complacente que me quebrou toda a fragilidade do momento. Toda feiura daquilo me invadiu. Afastei-me e subi minhas calças - cueca e bermuda - arriadas no mesmo gesto. Trespassei a porta como bala; na verdade, como boi que foge do ferrete; diabo, da cruz.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Aproveitou que estava deitado e chorou. Era inquebrável por fora mas sua cabeça o estava matando. Chorava sem motivo, chorava de dor, chorava por todos os malditos, chorava pela maldição de todos. E dentre os soluços de choro, começou o movimento que vinha lá de dentro de seu umbigo e crescia num ritmo assustador, inexorável, sem diminuir ritmo ou força, tomou conta de seu peito e clamando a pouca distância até a boca, andou num passo digno da morte que carrega em seu andar a certeza de que chega exato, que sua presença faz o quando e assim não há pressa, só loucura; para loucos, qualquer tempo é todo tempo, e todo tempo é fagulha ou brisa em sua mente. Riu. Sorriu. Gargalhou. Seu corpo em convulsão. Jogando a cabeça pra cima, seus olhos loucos brilhando de sanidade - deve bem estar escrito em algum lugar que loucura e sanidade, mais que dois lados da mesma moeda, são partes de um mesmo círculo, um demais chega no outro. Levanta e vai para o banho. Disfarçar o choro, lavar a loucura, recuperar a calma. Esfrega o corpo com força mas pecados não saem com água e sabão.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Ela comia a terra em grandes porções com as mãos.
Seu rosto rachado como solo seco e sem olhos.
Seus cabelos negros, cacheados e algo entre arrepiados e duros.
Seu vestido verde com linhas brancas que cortam por ele como rachaduras no chão.
Sua boca presa entre abrir para colocar mais terra e mastigar o que já tinha dentro.
Acordei. Minha mente estava fora de controle de novo.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

A palavra consertada a lápis no banheiro, dava pra ver que era do tipo de gente que não admite erro nas coisas, de quem acha que trocar palavras ou falar faltando alguma letra dentro de uma, invalida seu argumento. Otários que nunca entraram numa boca de lobo. Desconhecedores da população marginal da madrugada. Aqueles abandonados que não tem nada na vida exceto um ou dois conselhos pra dar a quem passar por eles sem cuspir. Feio assim. São a antítese do dia corrido; arrastados, sujos, embriagados, fedidos, anônimos, donos das ruas, senhores das noites, sombras dentro de sombras. Poderia dizer que o que se aprende entre eles não existe em livro algum, o que seria verdade, mas digo que passe lá teus dias ou semanas e veja.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Tossiu, rindo. Como uma boca se explode em um sorriso quando o tenta segurar, fumaça lhe sai por entre os dentes amarelados de tanto fumo. Tinha disso, de rir assim quando algo brincava com alguma coisa dentro de sua mente. Ironias em sua maioria. Associadas à desgraças, obviamente. Vivia calado com respostas simples e objetivas quando a palavra lhe era dirigida. Guardava muito para si, não como se fosse egoísta, só não há lugar pra se falar, ou momento, ou definição, coisas que simplesmente são ou que em sua cabeça encontram um significado que não precisa de embrulho. Que sorriso lindo e amargo. Sua forma, é claro, ignorando o conteúdo podre, bonita forma que rejuvenesce sua face por um mero instante semelhante ao iluminar do rosto infante ao descobrir que ganhará doces. Ah, mas o modo como se fecha depois... Aperta-se o peito só de imaginar. Secura de boca que se repuxa pra dentro. Idiota que percebe-se alvo da piada logo que ri. Nuvens negras que se reúnem ocultando o sol. Espera encolhida de trovão tão visto o relâmpago. Toma teu rumo que ninguém mais sabe. Tadinho.
Sou apenas um tolo
              com sonhos maiores que o mundo.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Uma puta passa, magra, os ossos expostos, ela se abaixa para pegar um resto de cigarro, julgo ter visto errado, ela acha outro só pra provar que não - que vi muito bem e a miséria é muita. Bonita a noite hoje, sinto que cada uma pesa e refresca diferente e a paisagem de uma janela que não é minha deixa as coisas mais belas, casas velhas com tiras de tinta faltando, lascas arrancadas pelo tempo, rugas de história na expressão desses prédios. Busco o cantil com a mão. Essas coisas me fazem querer beber. Conhaque, minha bebida da vez e provavelmente de uma vez por todas. Não encontro. Acho que eu já sabia. Talvez não. Talvez nem mexi. Fiz não, sei que não. Não com ela ali sentada no chão resolvendo alguma coisa.

domingo, 9 de março de 2014

Encontro-te na rua, quase bêbado, ando até você, não digo seu nome, não sou familiar a ele; te abraço, por mim ou por ti, ou pela solidão, ou pela compaixão de quem sabe também o que é ter o peito cortado em incontáveis pedaços, talvez literalmente demais. Encontrei-te por acaso novamente mas nada é por acaso tão somente. Esqueci meu cigarro em casa mas faço o gesto de tirá-lo dos lábios. Ah, as brasas que já me queimaram. Estamos os dois longe demais da sobriedade e perto demais um do outro. Você se aproxima pra me beijar, julgo; contenho tua boca com meu dedo, não vim aqui pra isso. Seus olhos soltam fagulhas de revolta e indignação pelo rejeitar. Hoje é um dia difícil e eu só quero um pedaço de chão para não acordar em casa. Pediria desculpas por isso se houvessem palavras em minha boca e dali ia embora; ou pedia um pedaço de sala no desespero, só pra desaparecer um pouco; ou convidaria para uma boa bebida e com ela, uma boa história. [...] E, no fim, isso tudo poderia só ter sido, um ocorrido fora do comum, mas o consumado é que passei do teu lado com os olhos no horizonte e você sem saber olhar senão pra frente.
Acendo um cigarro e a fumaça ascende quase em espiral. Minha cabeça girava. Ela era mesmo mineira, se entregava aos poucos, me devorava aos poucos, me matava pelas beiradas. Mas o que eu estava dizendo era tolice, o que fazia de mim tolo.
Ela me disse "espero que você me ame mais que a si mesmo" e com um beijo cálido me deixou embaixo de uma marquise enquanto apertava o casaco, vestia uma capa e se aventurava naquela chuva que provavelmente estava causando enchentes noutros pontos da cidade. Ela havia dito que voltava em um mês, acho que isso já tem uma semana, talvez tenha sido ontem, talvez tenha três horas e quarenta e sete minutos e cinquenta e cinco, cinquenta e seis, cinquenta e sete... pronto, quarenta e oito minutos; nunca fui bom em marcar tempo ou em conviver com ele. Pra mim, o tempo é (considerado) uma espécie de deus, não sádico mas implacável. A chuva ainda não parou, ou já começou de novo, fica aquela alternância de fortes pancadas e insistência gotejante do verão, ou inverno, não tenho certeza; os meio-dias estão infernalmente quentes, com o sol tirando lascas de tudo que toca - o que, em geral, significa peles - enquanto as meia-noites estão invernalmente geladas, com a lua iluminando o rosto pálido de quem se encolhe tentando se proteger do vento - destas terras, o que mais gela é o vento, invade qualquer roupa, pulmão ou mente; invrão ou vererno, deve ser a estação. bem, estamos naquele climempo clima tempo em que este tempo temperamental faz sentido.

Acordo com o sol no rosto. Um pouco de suor dentro do cobertor, tenho quase certeza que estava frio quando me deitei, bem frio. Já passa de meio-dia e já passam de dois os dias sem almoço. Levanto, uma tragada funda, o ar é expulso como veneno, tosse violenta - mas é só ar, corpo! Ar! O clássico arrastar-se até o banheiro. Os padronizados olhos fundos. Não, não é maltrato, é descuido. Mas, ah, vá! Não faz mal um pouquinho de tudo que é ruim. Deixa mais essa vontade de vomitar, deixa bem à vontade o desejo de se embriagar, deixa assim largado por qualquer quarto, deixe-se acordar sem saber onde, sem lembrar como, e com a pequena esperança de não se reconhecer no espelho.