domingo, 9 de março de 2014

Acendo um cigarro e a fumaça ascende quase em espiral. Minha cabeça girava. Ela era mesmo mineira, se entregava aos poucos, me devorava aos poucos, me matava pelas beiradas. Mas o que eu estava dizendo era tolice, o que fazia de mim tolo.
Ela me disse "espero que você me ame mais que a si mesmo" e com um beijo cálido me deixou embaixo de uma marquise enquanto apertava o casaco, vestia uma capa e se aventurava naquela chuva que provavelmente estava causando enchentes noutros pontos da cidade. Ela havia dito que voltava em um mês, acho que isso já tem uma semana, talvez tenha sido ontem, talvez tenha três horas e quarenta e sete minutos e cinquenta e cinco, cinquenta e seis, cinquenta e sete... pronto, quarenta e oito minutos; nunca fui bom em marcar tempo ou em conviver com ele. Pra mim, o tempo é (considerado) uma espécie de deus, não sádico mas implacável. A chuva ainda não parou, ou já começou de novo, fica aquela alternância de fortes pancadas e insistência gotejante do verão, ou inverno, não tenho certeza; os meio-dias estão infernalmente quentes, com o sol tirando lascas de tudo que toca - o que, em geral, significa peles - enquanto as meia-noites estão invernalmente geladas, com a lua iluminando o rosto pálido de quem se encolhe tentando se proteger do vento - destas terras, o que mais gela é o vento, invade qualquer roupa, pulmão ou mente; invrão ou vererno, deve ser a estação. bem, estamos naquele climempo clima tempo em que este tempo temperamental faz sentido.

Acordo com o sol no rosto. Um pouco de suor dentro do cobertor, tenho quase certeza que estava frio quando me deitei, bem frio. Já passa de meio-dia e já passam de dois os dias sem almoço. Levanto, uma tragada funda, o ar é expulso como veneno, tosse violenta - mas é só ar, corpo! Ar! O clássico arrastar-se até o banheiro. Os padronizados olhos fundos. Não, não é maltrato, é descuido. Mas, ah, vá! Não faz mal um pouquinho de tudo que é ruim. Deixa mais essa vontade de vomitar, deixa bem à vontade o desejo de se embriagar, deixa assim largado por qualquer quarto, deixe-se acordar sem saber onde, sem lembrar como, e com a pequena esperança de não se reconhecer no espelho.