segunda-feira, 26 de junho de 2017
É madrugada. Encontro-me na rua, admirando o céu. Tonalidades de um azul profundo se entrelaçam, em partes pintadas com traços de nuvem e em outras recortes esculpidos com destreza dando espaço para as estrelas brilharem com suavidade. A lua se recolhera hoje deixando que tudo mais ganhe sua parcela de contemplação e suspiros. O silêncio flui junto ao vento, leve e sereno, indicando em seu movimento dançante que estará mais belo a cada segundo, a cada apreciação. As estrelas brilham em igual, respiro o tanto que a noite me pede, não ousaria fazer diferente, seu perfume vindo a mim no farfalhar gentil de pequenas folhas. Acaricia meu rosto com a ponta macia de dedos longos e conhecedores, sorrio de volta. Sentiria o medo crescente das coisas frágeis não estivesse preparado, é claro que o silêncio cresceria como um manto ao meu redor, como um lindo vidro que eu pudesse tocar e que certamente quebrariam; mesmo sabendo disso, não temi de antecipação, não receei por momento algum, não que eu estivesse pronto para bater de peito com a sensação e a dor dos estilhaços de silêncio sendo rasgados, estava apenas ciente disso tudo em uma parte distante da minha mente enquanto me concentrava em observar e absorver aquele momento.
sexta-feira, 23 de junho de 2017
Você acabou de desligar. Estou aqui me retorcendo. Vão correr os primeiro vinte e poucos minutos, depois o tempo se suspende e as horas escorrem mas se acumulam. Horas depois ainda vou olhar nossa última ligação. Às vezes fico acordado, às vezes adormeço sentado. O pescoço torto, o corpo duro; provavelmente vou acordar com sua ligação. O sol nasce sempre, maldição terrena. Ontem existiu mas nem parece. Se os teus gritos se desfazem para não serem lembrados. Por que não tuas juras? Sumindo entre um evaporar e desaparecer como névoa desfeita pelos raios solares.
quinta-feira, 15 de junho de 2017
São duas horas da tarde. Do quarto fechado, da cortina improvisada, do suspiro apertado, pouca diferença faz. Do desespero velado, do monótono feriado, nada importa. Não importa a gaiola de meu corpo se estou preso nele. Se não saio de mim, se tenho toda essa pele, toda essa pretensão de ser outra coisa. Não me cobro voos loucos, noites de embriaguez ou o calor de uma cama. Quero ser minha loucura, quero licenciar-me do mundo por dias ou semanas. Tem muita coisa viva em minha mente esperando ser digerida ou apodrecer. O tempo é mais louco do que jamais serei. Não sentes na pele toda a pressão do mundo? Não te aferra a carne o desespero das horas? De ser qualquer coisa. De estar noutro lugar. De mover-se, correr, talvez de si, sempre de si. Não estremece teu corpo com o peso de tudo? Manter a sanidade se torna secundário. Como sobreviver até amanhã? Tua mente se rasga entre lembranças e possibilidades, as bordas inexistentes de teu ser fazem forte sua ausência. Expande-se em tudo que pode tocar, efêmeras, as coisas, o pensamento, o tato... O paladar permanece, a fome reina. Já passei uma semana sem minha consciência, nunca passei mais que um dia sem minha fome. O prazer inexistente de cravar os dentes, o sabor percorrer tua boca até tua garganta. Salivar na ideia de ter.
Se te perguntarem hoje, mente que entende.
Se te perguntarem hoje, mente que entende.
quarta-feira, 7 de junho de 2017
São anos, terra, ventos, tudo que se pode passar. Mas volta a sensação, talvez reforçada por todo esse tempo latente, talvez revigorada por todo esse ódio acumulado. Pura e simplesmente sinto vontade de queimar o mundo, e descarrego tudo isso em mim. Meus dedos abrem feridas nas pontas de se retorcerem contra a mesa, a parede, o chão. Meus punhos sangram com socos vãos. Minha pele se rasga com arranhados desesperados. Quero cortar, abrir, me virar ao avesso. Ver o que mora em mim e é tão ruim, tão amargo.
Sou feito de ódio e fome. Meu primeiro choro nesse mundo foi de fome. Sinto fome desde que nasci, fome de tudo, só fome. Consumir o mundo, me devorar até sumir. O senhor que todo dia colocava uma bala no cilindro e puxava o gatilho contra a cabeça é o homem que faz mais sentido, o que são os outros então? O que é essa faca que giro sobre a mesa? Estou tão cansado, quero dançar. Começar com um primeiro corte de ódio, a primeira gota de sangue, o frenesi que se segue. A dança louca, simples e íntima da lâmina e do ser. O que faz parar é trazer toda a dor para fora, ou cair no chão e adormecer. Cicatrizes são feitas pra se acumular.
Escrevo em meu corpo segredos da minha sanidade. Não saberei ler depois. Não precisarei ler depois. Minha mente dará outras voltas, outros contornos, não digo que irei parar no mesmo lugar, não saberia dizer. Sou outrem, no mesmo corpo, nos mesmos pecados, novo amargo. Sou o mesmo, nunca mudo, transformo tudo, enterro a mim. Embriagado pela luz tremeluzente do fogo sob o vento, tudo toma calma frente ao delicado furor da chama, fecho os olhos e deixo o cansaço me levar.
Sou feito de ódio e fome. Meu primeiro choro nesse mundo foi de fome. Sinto fome desde que nasci, fome de tudo, só fome. Consumir o mundo, me devorar até sumir. O senhor que todo dia colocava uma bala no cilindro e puxava o gatilho contra a cabeça é o homem que faz mais sentido, o que são os outros então? O que é essa faca que giro sobre a mesa? Estou tão cansado, quero dançar. Começar com um primeiro corte de ódio, a primeira gota de sangue, o frenesi que se segue. A dança louca, simples e íntima da lâmina e do ser. O que faz parar é trazer toda a dor para fora, ou cair no chão e adormecer. Cicatrizes são feitas pra se acumular.
Escrevo em meu corpo segredos da minha sanidade. Não saberei ler depois. Não precisarei ler depois. Minha mente dará outras voltas, outros contornos, não digo que irei parar no mesmo lugar, não saberia dizer. Sou outrem, no mesmo corpo, nos mesmos pecados, novo amargo. Sou o mesmo, nunca mudo, transformo tudo, enterro a mim. Embriagado pela luz tremeluzente do fogo sob o vento, tudo toma calma frente ao delicado furor da chama, fecho os olhos e deixo o cansaço me levar.
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