domingo, 15 de abril de 2018

O que vê no espelho? Vejo a mortalidade acima de tudo. A idade ainda não me pesa no rosto mas meus olhos não mentem. Sou meu próprio memento, meu próprio tormento. Não há fuga.

Essa luz amarela não é nada. Essa luz amarela nessa árvore cansada não é nada. Essa luz amarela nessa árvore cansada nessa rua de pedra não é nada. Tudo isso está depois dos meus olhos. As coisas me doem. A loja que se fechou. A obra da rua que acabará. As placas de trânsito empoeiradas. O balcão do bar. A mesa de madeira da padaria. Tudo é dor e não entendo. Essa casa velha que esfarela, esse prédio novo que quase brilha. A sombra das folhas nas grades de aço. Todos esses lugares que passei e as memórias que tenho. Todos esses lugares que nunca passei e as memórias que não tenho. Estou preso em tudo e desperdiçado em mim.

Esse azul que corre anoitecendo na cidade de ouro escuro.
Os raios que rasgam os céus são os que costuram meu peito...
Rasgam de azul e cinza a escuridão da noite. Não consigo conter o sorriso, o texto escrevo de tato para não tirar os olhos dos céus.
Mais fugaz que chama, mais pesado que terra. Se fossem me nomear, trovão antes de fogo. Por favor. Mais feroz que a vida. Mais furioso que eu. Ando no ritmo de minhas pernas, queria muito parar e contemplar mas hoje não há tempo. Não aperto o passo, só um tolo o faz. Disciplina ganha de fúria em qualquer dia mas perde a cada respiração em qualquer segundo.
Um lampejo de paixão, ilusões de vida.
Não sei o que em mim anseia a tempestade. Apenas caminho ao seu encontro. Tudo isso é bonito em palavras e desesperador de viver.

Mas isso foi outro dia. Um dia belo e passado de loucura. Estou sem nome e não sou chamado. Apenas vou e faço, sem vontade, sem estímulo, sem paixão, apenas fúria. Não há cama que estanque meu cansaço. Estou confuso e sem acordo, perdedor em meus próprios termos. Sumirei no meu abismo.

O tempo escoa em tons escarlates de meu braço como areia que escorre de uma ampulheta quebrada. Como lágrimas por um homem quebrado.