Escreveria um texto em tua homenagem
mesmo que não tivesse nada de ti
mesmo que já não me lembre nada além do rosto
mesmo que eu minta gritando nas entrelinhas
mesmo que eu não grite
mesmo que eu me perca em memórias que queimei
mesmo que nada mais seja o mesmo
mesmo que seja servido sem música
mesmo que eu use palavras repetidas
mesmo que eu perdesse a data por estar trabalhando ou no bar
mesmo que tenhamos na distância nosso tempo
mesmo que de tua boca escorra veneno e da minha só tenha silêncio
mesmo que disso se distorça tudo
mesmo que nos matemos lentamente no que julgávamos mútuo
mesmo que de tua boca materialize-se meu fim
e de tuas mãos verta o leito de ti
e de meus dedos sangre o texto de tua morte
insanidade agora nos combina
quebrar o mundo em todas as partes, nos quebrar até o irreconhecível
o corpo contra a parede e quem somos senão a nossa mera percepção de nós mesmos
torpes palavras sem conteúdo, ditas ao mundo por qualquer, repetidas pelo mundo em quaisquer
perdida no tempo, entremeada de subjetividade, totalmente aquém do que realmente deveria nos definir
não nos envergonhamos da indecência de nossa representação
quem somos senão perdidos de nós mesmos
quem buscamos senão a si e o corpo do outro, o que vier acompanhado é brinde ou punição
não me fale de sagrado em coisas assim.
não faz sentido derramar emoções no teclado se nos manteremos nessa distância que não se machuca e não se sente.
o risco de queimar é menor que o prazer do calor, não fujas de tudo que anseias
corra, corra como todas minhas mentes
corra como tudo corre de mim
serei a destruição, a mão pesada que desce sobre ti
serei o medo e a indecisão de todos vocês, e de ti o furacão de lágrimas e fúria apaixonada de teus pesadelos