quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

o que consegue com toda essa fúria?
sua mão trêmula não escreve, seus olhos virados nada focam, sua respiração forçada rasga o peito, seu coração fechado atropela a vida
tudo isso leva ao quê?

o coração contra o mundo, o corpo contra a parede
o cansaço na alma, o peso no peito
o que adianta?

fujo da repetição, corro do reflexo

a triste história em espiral, em círculos que se consomem
odeio me repetir
dei a volta, que horrível

o relógio não para nessa esquina e em nenhuma outra, não para no esgoto que percorre a rua, não para na água que escorre em meu corpo

não me segura se...

palavras vertidas em raiva pesam o dobro agora, pesarão mais depois
por isso a fúria devora, come sua raiva e cospe o resto de seu ser
a sobrevivência é ilusória

como um brinquedo quebrado que não sabe mais andar para frente
como um vidro estilhaçado que me reflete em todos os seus ângulos capturando minha frivolidade
essa última máscara de carne que por trás só há osso
o desespero já é estampado
todo controle foi descartado pra que não perdesse todo o controle
não preciso dizer que foi em vão
e digo mesmo assim. foi em vão

as escritas em seu peito (no pergaminho vivo de tua pele) se tornaram runas indecifráveis
um idioma estrangeiro no teu ser nativo
teu ser estranho no teu solo nação

o tempo não acomoda
são todas essas voltas e torturas e tonturas e bares e passados...
é tudo sobre o tempo?

o sangue ressecado em tua ampulheta

uma explosão vã nesse afã de valer o tempo

o que é o passado senão um borrão em minha mente
todas essas lembranças vistas por uma lente embaçada de lágrimas

essa água vai lavar meu corpo,
vai lavar meus pés cansados
mas não lava o cansaço em meus ossos,
o cansaço em minha alma

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Iria. Poderia. Ia tantas coisas. O ano virou comigo no mirante. É apenas o mirante da cidade, você não entenderia, talvez tu entendesse. A brasa do cigarro trepida com o vento, eu nem fumo mas esse aqui acendi e assim tenho que apagá-lo. Em algum momento minha vida começou a girar. E até agora não parou. Só queria vomitar de tão tonto que isso me deixa. Achava que era uma espiral descendendo na loucura, ou insanidade, ou insensatez. Talvez desejasse o início de um furacão, tantas coisas podem acontecer com um furacão. Agora acho mesmo que era um descarga sendo feita e os giros só vão acelerar até que eu escorra pelo esgoto. Meus olhos parados não entregam o colapso de minha mente. Trago o ar noturno e gélido. Acho que acertei dessa vez. Sorrio um sorriso doente. Morrerei na lentidão das coisas ou na velocidade de um carro. Talvez devessem enterrar essa cidade inteira. Deixar para gerações futuras desenterrarem toda essa dor gritante de todas as pedras. Entrei num estado que não sei dizer mais se tenho dores de cabeça e já passei da parte que me importo. Minha mente é um grande salão vazio, o chão de madeira, o teto em cúpula a perder de vista, consumi tudo que havia. As coisas esquecidas representadas por nada. Há apenas a leve marca de sua passagem como a marca de uma mão sobre um tecido. E, assim como a marca, nada ela me diz além de sua ausência. Sei de tudo que esqueci numa superfície que só reflete, que não me deixa ver além. Lembre-se da morte porque de mais nada se lembrará. Perguntaria se palavras para ecoar sem canções de resposta fariam sentido, mas já sei que não. Tenho todas as respostas toscas para minhas perguntas imbecis. Grande ilusão não precisar nem me perguntar. Quando pararemos de fingir que não estamos em um trem que só acelera? Se todos os tremores do corpo e do peito fossem explicados pela força da locomotiva contra o aço...

Um dia cinza em uma vida cinza. Um fim quebrado para um ano em estilhaços.

Se for chover, choverá em mim. Se for fazer sol, não fará sol. Não há nada que remova essa fúria incrustada nos ossos. Não há luz que espante as sombras dentro das sombras. Quiçá somente as aumentaria. Desvanecendo como sonho é a minha lucidez na névoa da manhã. Esse mundo de tato tão real e lógica tão onírica. As obscenas cicatrizes de concreto. Tiraria minha sorte no maço de cigarro vermelho, mas por não querer ou não importar, o maço foi direto ao lixo em um golpe de punho.

A brasa some entre o cigarro e minha pele, mas não dói. Não dói tanto quanto todo o resto. Não dói tanto quanto essa névoa que oculta o céu estrelado. Não dói tanto quanto o céu estrelado. Não dói tanto quanto a brisa leve no rosto em um dia ameno. Não dói tanto quanto as portas para sempre fechadas de uma loja que nem frequentava. Não dói tanto quanto as pátinas cavadas pelo tempo na face de todas as janelas. E assim, aprendi, apanha-se da vida. Entre as batidas do coração e as batidas do relógio.