o que consegue com toda essa fúria?
sua mão trêmula não escreve, seus olhos virados nada focam, sua respiração forçada rasga o peito, seu coração fechado atropela a vida
tudo isso leva ao quê?
o coração contra o mundo, o corpo contra a parede
o cansaço na alma, o peso no peito
o que adianta?
fujo da repetição, corro do reflexo
a triste história em espiral, em círculos que se consomem
odeio me repetir
dei a volta, que horrível
o relógio não para nessa esquina e em nenhuma outra, não para no esgoto que percorre a rua, não para na água que escorre em meu corpo
não me segura se...
palavras vertidas em raiva pesam o dobro agora, pesarão mais depois
por isso a fúria devora, come sua raiva e cospe o resto de seu ser
a sobrevivência é ilusória
como um brinquedo quebrado que não sabe mais andar para frente
como um vidro estilhaçado que me reflete em todos os seus ângulos capturando minha frivolidade
essa última máscara de carne que por trás só há osso
o desespero já é estampado
todo controle foi descartado pra que não perdesse todo o controle
não preciso dizer que foi em vão
e digo mesmo assim. foi em vão
as escritas em seu peito (no pergaminho vivo de tua pele) se tornaram runas indecifráveis
um idioma estrangeiro no teu ser nativo
teu ser estranho no teu solo nação
o tempo não acomoda
são todas essas voltas e torturas e tonturas e bares e passados...
é tudo sobre o tempo?
o sangue ressecado em tua ampulheta
uma explosão vã nesse afã de valer o tempo
o que é o passado senão um borrão em minha mente
todas essas lembranças vistas por uma lente embaçada de lágrimas
essa água vai lavar meu corpo,
vai lavar meus pés cansados
mas não lava o cansaço em meus ossos,
o cansaço em minha alma