domingo, 23 de junho de 2019

Este é um texto de fúria. Esta é uma vida de fúria.

Se andei até minhas pernas não aguentarem, andarei até escorregar no sangue de meus pés.
Quando cair ao chão me arrastarei puxado por meus braços até asfalto, terra e sangue serem a mesma mistura. Se andarei em vão, que ande sobre meu sangue. Se viverei em vão, que viva em minha fúria.

Arrastaria apoiando meu queixo no asfalto até ele escorregar em sangue
até meu caminho ser todo de sangue
e quando me virar para fitar o céu no seu azul manso ou profundo
que venham os abutres me bicar, os devorarei e me banharei em seu sangue imundo
haverá uma pilha de abutres comendo abutres antes que eu seja a próxima refeição

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Acordei no meio da noite com os braços ao redor do meu pescoço. Queria quebrar o pescoço de alguém mas acordei para descobrir que era o meu próprio. Deixei uma nota mental para procurar depois se uma pessoa é capaz de quebrar o próprio pescoço com as próprias mãos enquanto dorme. Espero não ter aplicado nem metade da força que sonhei. Lembro que acordei já com um estalo. Parece tudo no lugar, não acho que vou morrer assim, ou que já morri.
Trago o celular da mesa para o lado do travesseiro por precaução. Não sei se tenho uma coisa me preocupando mais, ou se é só a tontura com que acordo. Escorrego de volta aos lençóis de sono sem o pescoço quebrado, adormeço rápido e sonho muito. Não houve tempo para o desespero.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Um homem cansado andando sobre a calçada cansada dessa cidade cansada para uma casa cansada para tomar um banho gelado e dormir uma noite cansada. Acordar em um dia cansado e ir cansado ao trabalho cansado.
Desse mundo surrado e velho, como tirar algo que arranque o cansaço da alma?
Desculpem-me o sol, a lua, as estações, as terras de todas as cores, o vento. Estou cansado.
Meu corpo se move pelas pequenas porções de fúria que sobram em mim.
Caindo lentamente em um silêncio que não é de resistência.

O silêncio que mora nas madrugadas não é nada
É menor que o silêncio das mordidas que o tempo me dá
É menor que o peso dos meus suspiros.
O abismo que se forma ao meu redor... ou eu caminhei até aqui?
É menor que o silêncio das paredes.
Os cães da distância me mordem tão suavemente, não há como pará-los.

O silêncio é o que me resta, é o que sobra, é o que há.
Desconectando-me da realidade, não sinto vontade de voltar.
Não sinto. Já foi. Já passou.
Os sabores são dos jovens, o amargo dos remorsos.

A faca cortando minha carne ou cortando um queijo é só uma questão de posicionamento físico, não estou sabendo distinguir mais que isso. Estou me tornando as pessoas robóticas que odiava, mortas por dentro - ou, como agora vejo, desconectadas da realidade. Nada parece fazer diferença porque nada faz. Talvez uma dose de adrenalina embalada na forma de um atropelamento faça algo faiscar e, por sorte, acender; ou quebre de fato o que já é quebrado.

Como não desejar o caos se é a única coisa que ainda me move. Como não desejar o mundo em chamas para esquentar o peito e queimar a pele.
Morramos antes que envileçamos.