segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

O frio das entranhas. Queria dizer o frio dentro do frio mas não é isso. Não são como sombras que se aprofundam na escuridão. Emana como um pequeno sol distorcido. O frio da alma. De todos os invernos contados em tristezas, não tive tanto frio. O frio me atinge no meio do verão onde as névoas e chuvas em meio às montanhas fazem esforço para disfarçar a estação que deveria chamar pelo sol forte, cores alaranjadas e cachoeiras. Um frio que parece nascer infinito de um poço e nas alças que se houvessem puxaria e puxaria sem fim. Um frio que todas essas roupas não seguram, que a água do chuveiro a queimar a pele não faz diferença. Tampouco faz a água fria sobre o corpo. É um frio além desse corpo. Além das minhas sensações mundanas e humanas. É um frio que cresceu a ser maior que eu. Um frio que não cessa como as horas cessam, que não passa como as horas passam. Que existe alheio ao tempo numa dimensão própria. E o receio ou realização maior se encontra em que talvez seja apenas um convite sem recusa a pensar-me, que talvez seja apenas a superfície dura e gélida de um espelho.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Fragmentos de memória em pequenos pedaços de papéis.
Virei assim
O que não cabe em minha cabeça escorre em palavras sobre folhas
Tornei-me um pedaço do que sou, sem grandes memórias, desfeitos os sonhos em poeira
Sou apenas o que sou agora, pequeno no que me recordo, pequeno recorte de mim
Não sei de sorrisos ou tristezas, trago a expressão rígida pois não há nada a se mostrar.
Olho tudo com curiosidade contida, me pergunto sobre tudo, investigo quase nada.
A poeira em tuas mãos, sou o suor que evapora.
Os etéreos desejos quando te olho, os eternos desejos quando te olho, os tenros desejos quando te olho.

Os livros outrora alimentos de meu ser, agora são pedras empilhadas numa coluna alta demais, só servem desbalancear-me, desmorono na vergonha de uma taça cheia demais.
A sedução do estático. A segurança do limite. Meu corpo vibra para quebrar essas paredes dos livros. Somente palavras por baixo de suas capas, o que há para temer?
Antes o mundo nas costas, pequeno Atlas.

Minha fome do mundo se esvai nesse cansaço inumano. Se tudo meu é mortal, por que essa exaustão suprema?
As nuvens se arrastam pelo céu. Arrasto-me pelo chão
Não vejo sentido em correr. Meu peito me pede que eu corra, corria até cair quando era completo, correria até cair em completo desespero.
Uma sombra, um fantasma, sem os sonhos do passado, sem as lembranças do futuro.

A tudo queimei, sou as cinzas do meu próprio mundo.
Sou o resto da minha combustão.
Carvão da minha floresta.
O céu rasgado pelo vento. A água cortada pelas pedras.
diminutas minutas de realidade se esvaecendo na brisa
As cinzas caem pelo céu como caem as lembranças de mim.
Nevam zombeteiras e esfarelam ao toque, refletindo a efemeridade das coisas.
Revelando a intangibilidade de tudo já visto por meus olhos.
Pintam meu corpo num tom que não se lava.
Sou minha forja, ardendo nas chamas necessárias.
Esquentar esse aço que me formei
Ver amolecer as extremidades expondo as entranhas enrijecidas
Deformá-las com o martelo até não ser mais o que sou