queria jorrar linhas e linhas dessa embriaguez
textos completos direto de garrafas, talvez até um livro dado suficiente álcool
sorver de cada gole uma vontade inumana a abastecer o embalo de meus dedos
mas não me iludo, sei que não escorre minha escrita de mim assim
tão claro a mim como só escorre meu sangue de meus punhos cerrados contra a parede
de meus dentes cravados sobre minha pele
dos caminhos que danço por meu corpo
não há mais espaço decente para escrever em meu peito
preso noutra ilusão de juntar os cacos do tempo quebrado
de ver escorrer pelos dedos as areias de tudo
a sobriedade me alcança em algum momento, a insensatez não me assombra
não tenho nos dedos a lucidez para escrever o que vejo
ainda não entendo como pode tudo ser feito de coisas que se dissolvem
ainda dói ver mesmo sob a luz cálida da manhã o fenecer sobre o florescer
choro por mim mesmo, pequeno luto solitário
choro por essas coisas, pequena luta irrelevante
não tenho em mim um consolo para as coisas tristes,
talvez esteja tempo demais em meio às coisas que transpiram tristeza
e às coisas medrosas que se plastificam em medo a morte
e às coisas inertes que são a própria morte
e às coisas mortas vazias de significado
talvez esteja tempo demais transpirando tristeza em meio às coisas
a aurora é a devastação de meus devaneios
é o rasgar dos meus delírios que se esvaem como nunca existissem
é a constatação que não importa a intensidade das loucuras
que não importa a sombra de teus pensamentos
não importa o nome da tua espiral
é o pequeno aviso que já se foi, há muito, o momento de dormir