domingo, 12 de julho de 2020

Não é verão, mas talvez seja um delírio meu ao sol.
Pensei em como seria ter menos cicatrizes pra caber mais de você
ser menos dolorido para ter mais sorrisos
ser menos bobo para te dizer mais

não é verão, mas talvez esse sol forte contra essas paredes brancas brilhando nas coisas tenha confundido os meus sentidos e me posto em devaneios
talvez esse céu azul sem fim em direções me retire do pensar num infinito sentir, gravando na fragilidade de minhas retinas a imensidão das pequenas coisas sem filtrar nada

tenho uma boca só, que morde os alimentos, mordisca teus dedos, te diz palavras doces e beija teu corpo
meus olhos eternas câmeras em mim a capturar teus pequenos gestos, teus pequenos detalhes
as pequenas pintas em teu rosto e como se destacam diferentes quando teu rosto me olha, quando sorri ou quando dorme
as marcações em linhas de teus lábios e o entorno amendoado de teus olhos com um brilho mágico de uma tela que reflete em ti a luz que lança na parede

será que me perdi no meio desses mansos raios de sol do amanhecer ou na serenidade desse rosto que respira tão perto em mim?
às vezes me pego segurando o ar pra que não perturbe de forma alguma a cadência de teu peito
estático, tensiono os músculos a não me mover, a não atrapalhar teu leve sono
e, no inevitável deslocar do meu corpo, aninha-se mais em mim, derreto a me encaracolar em ti
será que me perdi entre o toque macio de teus cabelos e teu perfeito aroma de pele, perfume e cachos?

em pleno inverno, me vejo nesse calor emaranhado os braços aos teus, entrelaçadas as pernas nas tuas
se algo sobra fora das cobertas, que se aconchegue também, refazendo todas as torções do corpo para caber mais e mais perto
adicionaria horas ao relógio se significasse prolongar a noite a poder tocar suave os dedos em ti
acrescento delicadas carícias aos traços de teu rosto que mesmo relaxado em sonhos se abre em sorriso
em pleno frio, vejo-te só moldura, esperando a aurora de pequenas cores a te revelar

terça-feira, 7 de julho de 2020

A Lua sobe pelo céu como passam as coisas pela vida
cada vez mais distante, cada vez com um brilho mais pálido,
cada vez apenas uma pequena lembrança de si mesmo,
cada vez uma imagem mais frágil do que já foi em um momento.

Termino uma garrafa de vinho que abri em alguma ocasião.
E as coisas são como esse vinho também.
Depois de abertas, já começam a se moldar em outras coisas.
Adaptam-se ao ambiente quando sobrevivem,
mudam-se ao que se espera ou se mantém e batem de frente.
Depois de violadas e experimentadas seu maior gosto, só tem à frente o fim.
Não, jamais o mesmo sabor, mais doce ou mais amargo, mais seco ou mais aveludado,
todos os toques são novos, mesmo os dedos antigos,
mesmo os olhos cansados, mesmo os peitos inquietos.

E é tênue a separação da loucura e sanidade,
e isso não é nada novo, não falo aqui nenhuma descoberta,
e é débil a resistência da loucura à sanidade
antes perdido que preso às definições do que são

Como o escorrer do último gole ao fundo do copo
como as pequenas partes de si desperdiçadas em cada recipiente
como as cores desbotadas junto com seus significados
como a luz toca torta os tortos objetos da memória

mordo de leve os dedos como mordisca o tempo a mim
não preciso que me lembrem
não preciso que batam em mim os relógios
descarto os sinos, os alarmes, as areias
disperso sob o tempo que se empilha
essa sala sofre falta de você