terça-feira, 7 de julho de 2020

A Lua sobe pelo céu como passam as coisas pela vida
cada vez mais distante, cada vez com um brilho mais pálido,
cada vez apenas uma pequena lembrança de si mesmo,
cada vez uma imagem mais frágil do que já foi em um momento.

Termino uma garrafa de vinho que abri em alguma ocasião.
E as coisas são como esse vinho também.
Depois de abertas, já começam a se moldar em outras coisas.
Adaptam-se ao ambiente quando sobrevivem,
mudam-se ao que se espera ou se mantém e batem de frente.
Depois de violadas e experimentadas seu maior gosto, só tem à frente o fim.
Não, jamais o mesmo sabor, mais doce ou mais amargo, mais seco ou mais aveludado,
todos os toques são novos, mesmo os dedos antigos,
mesmo os olhos cansados, mesmo os peitos inquietos.

E é tênue a separação da loucura e sanidade,
e isso não é nada novo, não falo aqui nenhuma descoberta,
e é débil a resistência da loucura à sanidade
antes perdido que preso às definições do que são

Como o escorrer do último gole ao fundo do copo
como as pequenas partes de si desperdiçadas em cada recipiente
como as cores desbotadas junto com seus significados
como a luz toca torta os tortos objetos da memória

mordo de leve os dedos como mordisca o tempo a mim
não preciso que me lembrem
não preciso que batam em mim os relógios
descarto os sinos, os alarmes, as areias
disperso sob o tempo que se empilha
essa sala sofre falta de você