sábado, 5 de setembro de 2020

Minha paixão por conhecer cidades também se aplica a mim.
Me perder nas minhas ruas e vielas até fazer uma lógica de seus caminhos ou entender como percorrer em qualquer direção ou apenas sentir pra onde devo ir.
Jogar-me solto sem hora pra voltar ou lugar pra chegar, vou parar onde meus pés me levarem.

Respirar os passos, como faz meu corpo que precisa desse frio como preciso de minha Fúria
Ardendo suave em minha pele sem doer demais, sem machucar de verdade
Preciso andar.
que é a maquinação do meu cérebro
que é a digestão dos meus pensamentos
é parar a sangria dos meus sentimentos

No céu vasto do mundo aberto sob um sol tranquilo ou até nesse vento noturno suave que me faz fechar os olhos e lembrar do ar sufocante e angustiante da cidade que parecia sempre querer fechar-se sobre mim
Andar no mundo é sempre chegar em algum lugar
em minha mente parecem complexas repetições de um ciclo formando uma espiral como a me enganar que não me percorro nos mesmos enganos a afundar nos próprios passos cravados na lama que se fez no meu chão sob meus pés
O pavimento responde à pergunta de meus calçados num baque firme a me jogar na direção que preciso percorrer
Essa luz amarelada que se espalha no calçamento
já não me bate
meio pedra tornado também
mas amarela minha visão que se perde em lembranças de iluminação estourada pela claridade do sol
saio da rua torto e torno a andar em mim
dei a volta mais longa por trás dos meus pensamentos

Andando em caminhos esquecidos, caminhos secretos, caminhos proibidos
Não há mais nada aqui.
Tudo que foi dividido foi acabado por finalizar todas as partes
As personalidades, as fugas, os colapsos, preso agora em um mesmo instante, um mesmo eu a todo instante.
Não habita mais o velho de palavras enigmáticas e rosto taciturno
Ou a criança de rosto faceiro, nas perguntas sem limite, na curiosidade infinita e na vontade de devorar todo o conhecimento pra entender o mundo
Ou o jovem que beira a arrogância pelo orgulho mas é bom além do suficiente nas coisas que faz
Quem é isso aqui que não mais sou eu?
Aqui não é casa de ninguém.

Era eu tantos, era eu tão vivo, sorvendo da inocência cristalina de cada pedaço, a mesma casca de recheios diferentes.
Fica ao corpo o impacto e a mim os destroços.

Nem espelhos quebrados, nem estilhaços de vidro, memória ou tempo
Os fragmentos já são uma coisa própria, já são agora partes do chão
que brilham trincados como detalhes foscos de um piso quase sem textura
As paredes que eram retorcidas de terror e medo são distorções de troncos de árvore movendo-se ao vento capturados em um momento estático
Os caminhos perdidos e circulares em labirinto se conectam e se sobrepoẽm e se entrelaçam e chegam a todos os lugares
Os sentimentos também abandonaram esse lugar
Um castelo de parte inacabada e parte em ruínas
Não faz sol, não faz lua, a iluminação existe como meio de tarde que tudo tem uma cor mas nada brilha, como meio da noite que tudo tem formas e bordas e quase nenhum recheio
Quando vejo isso percebo que recuperei a ver as bordas, ao menos agora, e que as coisas não se derretem, dissolvem, misturam loucamente
Mas não vejo os recheios das coisas
É sempre uma troca estranha?

Não há pra onde correr e talvez não tenha como correr.

Não conseguiria descrever o vazio em menos palavras, e ainda faltam linhas e linhas a sangrar presas na pele que estanca a mim.
Não há mais nada aqui.
Não há ausência, não há falta, há vazio.