Meu corpo implora um conhaque, um cigarro, algum prazer imediato, alguma anestesia rasa
Meu corpo chora um apagão, pede que acordemos no outro dia no chão com a mente em branco, com um novo nascer junto ao sol, mesmo que de mentira e mais frágil que vidro... era tão fácil, era tão bom...
Meu corpo pede uma dança, uma última dança, um último sangue que escorre, uma última espiral
Meu corpo suplica que as paredes se quebrem mas sabemos que só nossos punhos se fazem estilhaçar, que a pele se solta, os ossos se descolam, e mesmo com todos os estrondos, quem se quebra sou apenas eu
Meu corpo deseja mais e mais desse cansaço inumano a me desumanizar, a me jogar ao chão com tamanha força que se me levantassem só teriam meu corpo, não a mim
Meu corpo sonha queimar todo cansaço
Não quero a embriaguez, não quero o torpor, não quero o toque, não posso querer, quero sentir tudo, preciso sentir tudo
Sentir por completo a combater essa minha fragmentação
Sentir que todos os círculos ao seu redor foram inúteis
Que todos os erros se repetem de um jeito obsceno
Sentir quanto dói a coincidência em tudo
Fossem as coisas um pouco diferentes, mas tem que ser do mesmo modo, do mesmo jeito, de mesma vilania
Como me reter no presente se é tudo um grande assombro do passado?
Se afundo no mesmo passo, se me acomete a mesma cena ensaiada em personagens diferentes
Gritei a ironia trágica a vomitar em tudo ao redor, por que não mudam ao menos um detalhe?
Quem além de mim teria tão grande interesse em me espiralar em loucura?
É a mesma cena, sou o passageiro, é a mesma cena, sou o motorista. É a mesma cena. Todos os pequenos detalhes que poderiam ser diferentes são iguais.
Há algo em mim fazendo uma força muito grande a tentar entender qualquer coisa que não seja coincidente, mas tudo é.
Há em mim uma força maior gritando corra, corra e corra. Chore na floresta, se perca na estrada, esqueça de onde veio.
Há em mim algo que sussurra: você já se perdeu há muito, isso é apenas o reflexo.