Era como se jogássemos pedras da beira ao fim do penhasco, esperando que acumulassem e se encaixassem de alguma forma até nos alcançarem. Absurdo.
Vivíamos dias assim, absurdos. Dera-me uma pá e nenhuma explicação, cavávamos nos intervalos entre comer, dormir e se entrelaçar. Não entendia e não fazia questão de entender.
Não questionávamos esse caminho tão silenciosamente acordado. Alguma coisa sobre o céu permeava nossa conversa. Onde daria aquela estrada não explorada? Ou aquele pensamento não percorrido? Onde daríamos em nossa escavação?
Em algum momento perdemos o objetivo que nunca definimos. Ainda havia muito a cavar. Repousaras tua pá ao chão, deste-me um abraço e desejavas boa sorte, a nós que fosse. Ainda havia muito a cavar. Sentei-me na borda do buraco. Em algum momento a chuva chegou. Formava uma espécie de ampulheta nas gotas em queda até o fundo. Não reparei quando aumentou ou diminuiu ou voltou mais forte que antes. De tudo cavado se fazia uma piscina estranha, havia muitas outras coisas a serem feitas e joguei meu corpo que a água transforma queda em mergulho e se afundar torna-se natural.
Esquecera quanto cavara e assim não posso dizer que percorri porque já não sabia as direções, o sol refletia ferozmente na água a se formar feixes inocentes de beleza, me perdera por ali mas achava algum caminho que parecia um retorno. Ao que retornar? Meu rosto estranha os primeiros toques do vento sobre a pele, ergo todo meu corpo, há muita coisa no ar e embaixo disso aquela sensação de algo que escapa, algo completamente palpável e ainda assim fugaz por não se mostrar enquanto não lembrado. A noite era sustentada por colunas de nuvens indecisas entre azuis e cinzas, com o fundo perdido em violeta. Meus olhos ardem por tudo, soubera uma vez "o mundo debaixo da melancolia espalmada de todos os textos". Até entendera, ou escrevera como se o fizesse. Sento-me à beira do penhasco a jogar pedras ao fim.