sexta-feira, 26 de novembro de 2021

algo que faz parte de mim clama pelas madrugadas

exige-me que eu me jogue nelas, não é necessária a embriaguez

ou nem sempre sair a correr seminu na estrada

preciso morar em algumas madrugadas, nessa escuridão profunda das noites sem luar, nesse brilho surreal em lua cheia, ou mesmo no silêncio em acordo invisível dentre paredes

talvez seja apenas isso, essa pequena combinação perfeita da ausência suspensa no ar de ruídos dos dias temperada com o toque gélido da noite no rosto, é essa película - não impenetrável - mas irrasgável, um bêbado que cambaleia pelas ruas, barulhos de carro, gritos e - assume-se numa seriedade velha - jovens, nada disso é suficiente para invadir a noite, são perdidos, abafados sem nada que sufoque mas dispersados como uma gota no mar ou mesmo num copo, não é aqui que é feita a diferença

nas madrugadas sobram palavras comuns mas faltam as que não foram tecidas por não serem observadas

apesar de tudo, tenho a certeza da suspeita que tropecei errado em alguma andança recente, que em algum caminho que percorri caiu de mim um pedaço que demorei a notar falta mas que já o fazia desde esse momento 

algo que me faz menos eu, algo que não prenuncia mudança, prenuncia desvanecer, um esvaecer tão suave e tão ridículo e tão leve e tão doloroso em um corpo tão dolorido, pesado, real e áspero

a troca absurda das cores do céu entre tons de azul e brincadeiras de vermelho acontece incessante