ouço no fone uma voz feminina, Matilde, uma voz de sotaque tão distante da minha fluída compreensão e tão próxima de me dilacerar, de me abrir com dedos sem pausa e sem licença, abrindo como quem anda pelas ruas, como quem caminha firme em solo novo como velho conhecido, como a certeza com que as coisas vão ao chão se entregando à gravidade
meu coração, cuidado, é frágil, Campilho pise devagar
poderia desenhar-me em qualquer cenário, não importa, não seria diferente
estou em um quarto que se isola um pouco de tudo, ainda bem ao centro e próximo, afastado mesmo por nada
isso é a mágica das portas, dos ruídos, do isolamento
assim como de si não há fuga, não há caminho sem doer quando ressoa os versos em mim, arderia em qualquer lugar, doeria em qualquer quando
onde o tempo passa um pouco diferente, ouvindo, entoando
é como lâmina de machado a romper as amarras de todos os sentimentos represados
tudo está livre e me inunda, não fugi de nada, não me preparei nada, dói como tudo, como uma coisa tão antiga e nostálgica e quase anciã, como se a única convicção fosse dor
sua voz parece um tapa necessário de que não se desvia
dói antes de sequer entender o conteúdo
como uma pancada de rosto em água sem compreender ainda se afogará ou não