segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

 Quem vai, vai com a saudade

Quem fica, fica com a saudade

Aprendi em Russo uma vez 

que a forma de dizer que você não está aqui

é que esse quarto tem a sua falta

e eu achei a coisa mais linda, e até duvidei se eu entendi direto, se era isso mesmo

mas essa tradução, da forma como foi dita, ficou comigo pra sempre

esse quarto tem a sua ausência e com isso, eu sinto a sua falta

sábado, 18 de novembro de 2023

Por mim, preciso urgente organizar meu coração
São anos demais, vivências, amores e dores demais para ficarem soltas por aqui

Espalhadas loucamente por meu ser, expostas todas em mim

Não preciso que me afundem se sou meu próprio vórtice, se já me arrasto pra tudo que me consome

Mordo quase pra não ser mordido
Estilhaços de cada detalhe dispostos em meu chão
se me corto, se me perfuram os pés, se me dilaceram sendo menos de mim, talvez não me importe

a morte já se foi e sobrou o silêncio, por vez pior
ainda me questiono viverem tanto sem se explodirem em tudo
talvez alguma embriaguez vestida em motivação cegando qualquer outra coisa
talvez suas existências não doam tanto, ou nem causem dor

sigo de sangue, sigo sentindo demais, sinto me perdendo nessa tarde com o sol acariciando as montanhas ou nas madrugadas em que olho a luz difusa pelo vidro fosco

consigo me perder demais nessa reflexão incongruente do meu rosto no vidro, o calor lentamente se esvaindo de mim, levitando para fora, tentador que eu não faça nada, que imóvel veja tudo esmaecendo tão vagaroso a quase parecer estático

azar esperar que não me mova, se sou meu próprio incômodo, há algo em mim incansável, inquieto demais, que beira o incontrolável, assim me revolvo quase uma arma perigosa somente a si, me revolto realizado pelo simples desespero que a única ação plausível seja travar os dentes e dar outro passo, nexo ou não, insensato

parte da tinta da parede parece úmida, apesar da pintura antiga, como chorasse por mim

talvez mais comovida que eu, decerto mais sensata

inumano ou humano demais, feito por extremos, sem descanso no equilíbrio, sem equilíbrio pro descanso, ausente qualquer pausa, nunca recuperado o fôlego, descaso em proporções harmônicas sustentam de alguma forma

ressoa em mim ensurdecendo tudo, como um arrastar por ondas

e poucas coisas sei mais ruidosas
corro de encontro ao encontro delas
um soco a quebrar algo em meu rosto, meu coração no limite a estremecer todo meu corpo, a fúria do meu tambor 

sexta-feira, 9 de junho de 2023

Minha boca não se movera pra dizer o que acabara de pensar

pensara não, sentira - como um raio, me perpassara uma certeza absoluta, estava de certa forma momentaneamente ofuscado pelo relâmpago, alguns dias depois viria o trovão

minha boca não se movera, enfim, talvez sorri, não sei se demonstrei tristeza ou disfarcei o que sabia viraria melancolia, talvez contive pois naquele momento de sol, café, bolo e conversas da vida, sorrisos e reflexões, não cabia conversas de morte, talvez de outras coisas e pessoas, mas dizer no momento que o sabor tênue de amargo era de seu próprio fim não parecia caber

gastei a energia que gastaria pra proferir essas palavras vãs - e vale ressaltar, sabia-se já por ambos que ali eram os instantes finais antes das vidas nos reaver em rotinas - em absorver aquele entardecer, a paleta pálida de cores com um fundo quente bem amarelo como iluminado por lâmpadas incandescentes, tinha já jeito de lembrança, de alguma forma esmaecida e antiga mesmo em momento presente

sabia como sabemos de coisas profundas demais para se revelarem à luz, sensíveis demais ao sol, coisas talvez melhor sussurradas, ou ditas bem perto do ouvido para não caírem na infinidade de caminhos entre uma boca e uma orelha, ou ainda que podem ser ditas em tom forte ao respirar profundo e retesar todo seu ser - talvez seja a própria respiração que alça todos esses sentimentos para que sejam ditos em um único fôlego, de único ímpeto, no único momento e lugar do mundo em que se possa dizê-lo - coisas que sentimos em nosso ventre, em nossas entranhas, e jamais, jamais dizemos

e quando dizemos, para serem ouvidas e jamais esquecidas

terça-feira, 2 de maio de 2023

O vidro estala e escorre pela pia, linhas finas de sangue e sabão gotejam sobre o metal, uma sensação de que isso deveria ocorrer de alguma forma, das duas taças, vou dizer que essa não era a minha, pra que a outra finalmente seja. Inspiro pesado como sempre inspirei em minha vida, eu acho incrível como essas coisas tem um jeito de se fazerem absurdamente cada vez mais densas, como uma névoa impossível de perscrutar por quão lisa em toda sua extensão e, ainda assim, tão óbvio quando se torna mais espessa, tão inequivocamente claro que alguma coisa mudou, algo indefinido, algo sem nome, como ocorre aqui dentro.

O mundo de alguma forma chama, vozes distantes, algum cachorro na rua, só barulhos sem cheiros ou imagens que não me alcançam, algum facho de luz solar contrário aos que foram tímidos demais e se perderam no caminho, contrário aos refletidos em qualquer outra coisa, esse se esgueirou de uma forma ou outra até atingir um de meus olhos, tenho certeza estaria belo entre âmbar e terra, um castanho firme independente da luminosidade. Isso também não me foi capaz alçar. 

Dessa vez, e cada é única, e também perpassa os mesmos lugares, desço escadas em espiral, feitas em pedra, esculpidas na própria rocha - não transportadas de outro lugar, sem muitos adornos, estáveis como nada que já senti. Não é um redemoinho, não é uma tempestade, não estou caindo ou afundando, são passos sólidos - em cada um deles está todo meu ser, calculados houvesse alguma lógica, ressentidos houvesse alguma dúvida, cada passo é meu e meu somente. 

Ainda tenho medo de me perder nessas ruínas, em corredores que perderam seu objetivo, em salas escuras demais e polidas demais a tornar quase impossível sair por tato ou visão. Minhas mãos marcadas pelas pedras, meus pés pelos cacos, conheço cada vão e cada fio melhor que a mim. Arcabouço transformado em reclusão. Como é lamuriante essa fundação, tristes as coisas perdidas suas razões de ser, melancólico todo ar que aqui perpassa, como me sinto em casa...

Nunca vou dizer que queria não ser assim para não ter a sorte de não ser. Mas vejo e percebo, todas essas pequenas ironias trágicas, os nomes não ditos, as palavras presas em outra coisa que não língua, lábios ou dentes. A oscilação nos olhos, a distância das palavras proferidas a um palmo de meu rosto. Não estou aqui para dar nomes, não sou nomeador; não aqui, não agora. Nem para lembrar com perfeição os tons harmônicos e mesclados de íris, cabelos e pele; apesar de lembrar perfeitamente. Sinto e escrevo. Do ventre à terra.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Meu problema nunca foi a finitude do tempo, mas o círculo da memória. Quão grande tenho que fazê-lo para fugir de sua repetição? Quantas correntes tenho que quebrar? Quantos laços tenho que quebrar? Quantos anéis tenho que quebrar para jamais repeti-lo? Quantos corações? Quantas pessoas? Quantos eu? Quanto de mim?

Em pedaços, vim de outro lugar, não adianta perseguir sentido onde entreguei-me a loucura, ou tentar acompanhar saltitante onde minha sanidade férrea e gélida, psicopática e objetiva domina, não sei nem meus objetivos, sei que valem mais que tudo pra alguém. A vilania que me sobe como vômito e despejo em sobrevivência covarde. É fácil não fazer sentido quando toda sua mente é fragmentada.

As dilacerações presas num plano passado, sujo em sangue ressecado, sacrifícios do meu corpo para a minha mente, a caixa de fósforos em mãos, o que o fogo não cicatrizar queimará. Nada é mais limpo desde o nascer, antes o perecer à morte violenta, há quem diga.

Quantas vezes tenho que me quebrar para ser outra pessoa e não ser outra pessoa e ser a mesma carne de diferente essência. Beber em fonte nenhuma, fazer a minha de sangue. Gastar-me em mim a mim.

...

Gentil a todos, vil a mim
em reticências se passam cinco anos sem que nada mude, em hesitar se acumulam todas as questões não resolvidas e os fantasmas já são assombrados por minha estagnação, o abismo já se cansou de me olhar.
Queria saber outra forma, além dessa violência, mãos cheias de cuidados para quem for exceto pra si. Talvez seja apenas o cansaço cansado de mim, apesar de todas as faltas de tentativas, ainda levantando por estar vivo e desejar, uma inevitabilidade, uma fatalidade não ocorrida, um drama fatídico, uma vida lentamente perdendo todo seu sabor, vagarosamente tornando-se insípida.
E como tudo que é indigesto, meu corpo convulsiona violentamente para expulsar.
Não sei se me retorci antes ou depois do vômito, e em que ordem veio a dor, a repulsa e o alívio.
Subitamente não era mais aquilo e ainda assim era somente aquilo. Era a realização de estar sufocando, de não estar lutando para respirar. Ainda era necessário romper de tudo isso, irromper de mim, sobreviver a qualquer custo, não há nada mais importante no momento, todas as pequenas e frágeis trivialidades que nos fazem sociais e humanos, animalesco a assustar os animais, e ainda mais primal, 
antes da ira forjada, antes da raiva impensada, a fúria completamente irracional, a contorção de todos os meus músculos, o espasmo de todo meu corpo, incapaz de ser contido e feito da mesma forma como sempre - não impetuoso, não bruto, violento.