sexta-feira, 17 de março de 2023

Meu problema nunca foi a finitude do tempo, mas o círculo da memória. Quão grande tenho que fazê-lo para fugir de sua repetição? Quantas correntes tenho que quebrar? Quantos laços tenho que quebrar? Quantos anéis tenho que quebrar para jamais repeti-lo? Quantos corações? Quantas pessoas? Quantos eu? Quanto de mim?

Em pedaços, vim de outro lugar, não adianta perseguir sentido onde entreguei-me a loucura, ou tentar acompanhar saltitante onde minha sanidade férrea e gélida, psicopática e objetiva domina, não sei nem meus objetivos, sei que valem mais que tudo pra alguém. A vilania que me sobe como vômito e despejo em sobrevivência covarde. É fácil não fazer sentido quando toda sua mente é fragmentada.

As dilacerações presas num plano passado, sujo em sangue ressecado, sacrifícios do meu corpo para a minha mente, a caixa de fósforos em mãos, o que o fogo não cicatrizar queimará. Nada é mais limpo desde o nascer, antes o perecer à morte violenta, há quem diga.

Quantas vezes tenho que me quebrar para ser outra pessoa e não ser outra pessoa e ser a mesma carne de diferente essência. Beber em fonte nenhuma, fazer a minha de sangue. Gastar-me em mim a mim.

...

Gentil a todos, vil a mim
em reticências se passam cinco anos sem que nada mude, em hesitar se acumulam todas as questões não resolvidas e os fantasmas já são assombrados por minha estagnação, o abismo já se cansou de me olhar.
Queria saber outra forma, além dessa violência, mãos cheias de cuidados para quem for exceto pra si. Talvez seja apenas o cansaço cansado de mim, apesar de todas as faltas de tentativas, ainda levantando por estar vivo e desejar, uma inevitabilidade, uma fatalidade não ocorrida, um drama fatídico, uma vida lentamente perdendo todo seu sabor, vagarosamente tornando-se insípida.
E como tudo que é indigesto, meu corpo convulsiona violentamente para expulsar.
Não sei se me retorci antes ou depois do vômito, e em que ordem veio a dor, a repulsa e o alívio.
Subitamente não era mais aquilo e ainda assim era somente aquilo. Era a realização de estar sufocando, de não estar lutando para respirar. Ainda era necessário romper de tudo isso, irromper de mim, sobreviver a qualquer custo, não há nada mais importante no momento, todas as pequenas e frágeis trivialidades que nos fazem sociais e humanos, animalesco a assustar os animais, e ainda mais primal, 
antes da ira forjada, antes da raiva impensada, a fúria completamente irracional, a contorção de todos os meus músculos, o espasmo de todo meu corpo, incapaz de ser contido e feito da mesma forma como sempre - não impetuoso, não bruto, violento.