Minha boca não se movera pra dizer o que acabara de pensar
pensara não, sentira - como um raio, me perpassara uma certeza absoluta, estava de certa forma momentaneamente ofuscado pelo relâmpago, alguns dias depois viria o trovão
minha boca não se movera, enfim, talvez sorri, não sei se demonstrei tristeza ou disfarcei o que sabia viraria melancolia, talvez contive pois naquele momento de sol, café, bolo e conversas da vida, sorrisos e reflexões, não cabia conversas de morte, talvez de outras coisas e pessoas, mas dizer no momento que o sabor tênue de amargo era de seu próprio fim não parecia caber
gastei a energia que gastaria pra proferir essas palavras vãs - e vale ressaltar, sabia-se já por ambos que ali eram os instantes finais antes das vidas nos reaver em rotinas - em absorver aquele entardecer, a paleta pálida de cores com um fundo quente bem amarelo como iluminado por lâmpadas incandescentes, tinha já jeito de lembrança, de alguma forma esmaecida e antiga mesmo em momento presente
sabia como sabemos de coisas profundas demais para se revelarem à luz, sensíveis demais ao sol, coisas talvez melhor sussurradas, ou ditas bem perto do ouvido para não caírem na infinidade de caminhos entre uma boca e uma orelha, ou ainda que podem ser ditas em tom forte ao respirar profundo e retesar todo seu ser - talvez seja a própria respiração que alça todos esses sentimentos para que sejam ditos em um único fôlego, de único ímpeto, no único momento e lugar do mundo em que se possa dizê-lo - coisas que sentimos em nosso ventre, em nossas entranhas, e jamais, jamais dizemos
e quando dizemos, para serem ouvidas e jamais esquecidas